São Paulo, quinta-feira, 28 de março de 1996
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A turma do "deixa quebrar"

ALOYSIO BIONDI

Um dos principais (e falsos) argumentos que o governo tem usado para defender-se no escândalo do Banco Nacional consegue provocar dúvidas na opinião pública.
Diz ele: "O governo não poderia deixar o Nacional quebrar. Todo o sistema financeiro seria abalado. Aí, sim, o país sofreria prejuízos incríveis. O governo agiu no interesse nacional. Havia urgências."
Essas alegações são acompanhadas de ataques aos críticos "irresponsáveis, xiitas, emocionais", que viriam defendendo a política maluca do "deixa quebrar".
Tudo inverdades. Não existe a "turma do deixa quebrar". Existem, sim, críticas à absolutamente incrível decisão de separar o grupo Nacional em duas partes, entregando todos os negócios rentáveis ao Unibanco e deixando a parte podre, o rombo, para o Banco Central. O Tesouro, o contribuinte.
É óbvio, como esta coluna tem repisado, que a recuperação do banco somente seria possível se a parte rentável continuasse a gerar lucros -ao longo de quanto tempo fosse necessário- capazes de cobrir eventuais rombos.
Com a divisão, o podre continua podre. Rombo na certa. Ao contrário do que o governo diz, havia alternativas para o Nacional, sim.
Instrumentos - É falso dizer que somente com a criação do Programa de Apoio aos Bancos o governo passou a ter instrumentos para intervir em crises bancárias. A possibilidade de intervenção temporária já existia (basta lembrar do Banespa).
A saída - A adoção dessas alternativas (de recuperação) foi defendida em sua coluna de 9/11/95, "O BC e a crise bancária", pelo colega Luís Nassif.
Ao criticar aspectos do programa de socorro aos bancos, Proer (o fato), Nassif relembra, apenas dez dias antes do "estouro" do Nacional: "O caminho correto (NR: para bancos em crise) seria a intervenção temporária. Entra-se no banco com data marcada para sair e se desapropriam as ações dos controladores... Se o problema for de mera liquidez (NR: perda de depósitos), ao assumir o banco seu risco passa a ser o risco BC -e não haverá motivo para corridas. Passados os problemas, devolve-se o banco aos controladores. Se o problema for maior (NR: "rombos"), responsabilizem-se os controladores e busquem-se saídas que minimizem o prejuízo público".
Pressa - E a urgência? Como Nassif bem coloca, a partir do momento em que o Banco Central passasse a administrar, fosse o responsável pelo banco, não haveria motivos para desconfiança e "corridas". Não havia riscos ao sistema.
CPI - O Congresso precisa sempre de um "fato específico" para instaurar uma CPI. A divisão do Nacional em "parte boa" e "parte podre" é um fato específico.
Mistério Outro mistério a ser esclarecido por uma CPI: quem ficou com os R$ 6 bilhões despejados no caso Nacional? O governo alega que só depois da intervenção descobriu um rombo de R$ 5,2 bilhões, encoberto por cerca de 650 contas fantasmas, que não apareciam na listagem dos computadores da fiscalização. Impossível.
Revelação Esta coluna tem sustentado que essa versão é inverossímel. Impossível esconder R$ 5,5 bilhões, sobre um total de R$ 8 bilhões, e programas de computador (a fiscalização) não acusarem. Nesse caso, o rombo não existia (nesse tamanho). Então, para onde foram os R$ 6 bilhões do socorro?
Confirmação
Há poucos dias, esta Folha publicou reportagem onde o valor das contas fantasmas é reduzido de R$ 5,2 para R$ 2,0 bilhões. Diferença de R$ 3,2 bilhões. Para onde foi?
Reafirmação Agora, no último sábado, 23 de março, esta mesma Folha revelou que um procurador da República, incumbido do inquérito do Nacional, reclamou que o Banco Central lhe encaminhou a documentação relativa a apenas 20 (v-i-n-t-e) contas fantasmas. Valor imaginável: uns R$ 170 milhões. E as outras 680?
Nassif Em artigo do último domingo, "O Nacional foi doado", este colunista procurou dissecar os valores envolvidos na operação de entrega do grupo Nacional ao unibanco. A análise foi objeto de novas ponderações do colega Luís Nassif, na edição de ontem.
O leitor interessado pode reler as duas análises, para avaliação. Aqui vale apenas uma observação: agradecemos quaisquer lições. Mas sabemos a diferença entre ativos permanentes e patrimônio líquido pelo menos desde 1967, quando editamos o primeiro "Quem é Quem na Economia", da revista "Visão".

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