São Paulo, quinta-feira, 28 de março de 1996
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Prefácios ensinam a arte do historiador

ELVIS CESAR BONASSA
DA REPORTAGEM LOCAL

O "Livro dos Prefácios", de Sérgio Buarque de Holanda (organizado por Antonio Candido), vale por uma autobiografia. Feitos para apresentar obras alheias, os textos, reunidos, traçam o retrato do historiador, crítico e professor.
O livro é um conjunto de prefácios e introduções, escritos entre a década de 40 e 1980, dois anos antes de sua morte, aos 80 anos. Neles se reconhecem a prosa e a erudição do autor de "Raízes do Brasil", a mesma originalidade de análises e a minuciosa preocupação acadêmica com as fontes de informação.
Esse estilo sustenta desde o estudo sobre a imigração no século 19, que abre o volume, até a apresentação da tradução de Jenny Klabin Segall para o "Fausto" de Goethe, passando por Manuel Bandeira, Inquisição, caça à baleia no período colonial, perfazendo 32 textos.
Em alguns casos, poucos, as características acadêmicas desaparecem em bloco. Aí, dão lugar ao relato pessoal de fatos vividos com o autor que prefaciava -e, pela importância de ambos, tais relatos também se convertem em história.
Como na apresentação de "O Operário em Construção e Outros Poemas" (1979), de Vinicius de Moraes: Sérgio Buarque renuncia à análise da obra, em favor da memória dos encontros com Vinicius em Roma, em Genebra, em Caracas, na Grécia. Desses encontros, faz brotar outros personagens, célebres -como Juscelino Kubistchek- ou pouco conhecidos -como o retrato do historiador Mello Moraes, tetravô de Vinicius, em que vê traços do poeta.
Contador de histórias
O texto pessoal sobre Vinicius é o que revela com mais pureza a arte do historiador Sérgio Buarque de Holanda: a capacidade do narrador, do contador de histórias.
Sem abrir mão do rigor, é também como se falasse de amigos ou parentes distantes que narra, por exemplo, os conflitos e as idéias do bispo e economista José Joaquim da Cunha de Azeredo Coutinho na passagem do século 18 ao 19.
Resistindo à hierarquia da Igreja, Azeredo Coutinho defende sua autonomia em textos publicados mesmo contra proibições oficiais. Ao mesmo tempo, elabora teorias econômicas que o aparentam ao pai do liberalismo, Adam Smith.
A trajetória de Coutinho, até ser nomeado o último inquisidor do Brasil, já no final da vida, é desenhada por Sérgio Buarque sobre o fundo dos grandes acontecimentos e controvérsias econômicas.
A mesma familiaridade, em sentido próprio, surge no estudo de "Suspiros Poéticos e Saudades", de Domingos José Gonçalves de Magalhães, considerado o primeiro romântico brasileiro. Mais do que analisar a obra, o que não deixa de fazer, ele prefacia a obra para compreender o poeta.
Não se conclua daí que o historiador/crítico dê primazia à vida do autor contra sua produção literária. Mas também não faz o contrário. Ele próprio aborda diretamente a questão, no prefácio a "Clara dos Anjos", de Lima Barreto, assumindo o ônus de "incorrer um pouco no pecado do biografismo, que tanto se tem denunciado em alguns críticos".
"Humanismo" talvez defina bem suas abordagens, num sentido preciso: são "homens", não "personagens históricos", o que esse historiador traz do passado.
História pessoal
É nesse trajeto de rememorações que Sérgio Buarque vai deixando as pegadas de sua própria vida. Ao apresentar "As Minas Gerais e os Primórdios do Caraça", escrito sob sua orientação por José Carrato, ele expõe as próprias preocupações sobre o papel das instituições religiosas no Brasil.
Nesse prefácio, como em outros dedicados a trabalhos de alunos seus, ele não se furta a narrar parte das discordâncias que sustentou contra os autores durante a feitura do texto. Revela com isso um pouco do seu estilo de ser professor.
Na apresentação da "Relação dos Manuscritos da Coleção J. F. de Almeida Prado", conta seu próprio papel na criação do Instituto de Estudos Brasileiros da USP.
São exemplos de como o autor embaralhava história, histórias e vida. Isolados dos textos que apresentavam, os prefácios deixam a posição coadjuvante, autônomos o suficiente para dispensar prefácio.

Livro: Livro dos Prefácios, 430 págs.
Autor: Sérgio Buarque de Holanda

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