São Paulo, quinta-feira, 28 de março de 1996
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Raízes

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - No momento em que trapalhadas mil ocorrem por aqui, cismei de me preocupar com os drusos. Não entendo de política internacional, mas acho estranhas essas minorias que atravessam a história e não encontram um lar, uma gruta, um chão que possam chamar de seu.
Não é bem o caso dos drusos, mas dos curdos, que estão sendo sacaneados pelos turcos e, periodicamente, por outros povos. Mas não conheço nenhum curdo. Quanto aos drusos eu os vi, na fronteira de Israel com o Líbano, no breve espaço de uma trégua entre duas batalhas.
São homens altos, imponentes, as roupas invariavelmente brancas. Ao contrário dos beduínos, que vivem amarrados ao deserto que é a pátria e a casa deles, os drusos dão impressão de hóspedes educados que não querem atrapalhar ninguém, nem seus hospedeiros nem seus vizinhos.
Houve época em que os drusos, como os curdos, não estavam em lugar nenhum. Havia sempre uma fronteira separando dois irmãos da mesma raça. Precisavam de um salvo-conduto para que um pudesse abraçar o outro.
Isso acontece em outros continentes onde há minorias que se recusam à integração, na secular fidelidade às raízes que se perdem no tempo. Raízes que não penetram nenhum chão, mas assim mesmo recolhem a seiva que lhes garante a teimosia e a sobrevivência.
Muitas vezes me sinto como um curdo ou um druso. Em anos mais difíceis, andei pelo mundo com um papel amarelo que me identificava mais ou menos como apátrida. Ao atravessar qualquer fronteira era obrigado a exibir o tal papel. Não sei o que tinham contra ele: bastava mostrá-lo e logo se detonava um ritual complicado, apareciam guardas com metralhadoras e cães farejadores.
E o meu problema não era falta de raízes.
Faltava-me apenas a capacidade de aderir à maioria que violentava meu gosto e meu gesto.

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