São Paulo, quinta-feira, 4 de abril de 1996
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Dois momentos

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - Uma patada de mau jeito e passei uns dias de molho, com um pé quebrado. Botei leituras em dia e vi TV com mais assiduidade e interesse. Destaco dois momentos na programação da última segunda-feira.
Primeiro, a leitura de um editorial feita por Cid Moreira. Os cronistas especializados devem entender da seara, não sei se as mudanças foram para melhor ou pior. Evidente que o conteúdo do discurso muito me agradou, mas não é esse o momento que destaco. Foi uma aula de locução. Muitos atores catimbados no palco não atingem o grau de correção e até mesmo de perfeição de Cid Moreira.
Queiramos ou não, ele é um rosto (ou o rosto) do Brasil que amamos e detestamos. Sua voz ficou associada ao nosso dia-a-dia dos últimos anos. Ao deixar a arena, descendo para cima na hierarquia da sua emissora, ele soube criar um momento que dignifica a profissão que abraçou e na qual se elevou a paradigma e emblema. Não o conheço pessoalmente, mas de velho soldado raso para velho guerreiro, confesso minha emoção. E mando-lhe um abraço.
O outro momento foi no "Roda Viva" do mesmo dia. Antonio Ermírio de Moraes foi mais do que brilhante: mostrou à sua maneira o quanto a política é uma estupidez. Um homem como ele devia ser presidente da República por aclamação. Talvez eu nem votasse nele. Talvez o Brasil ainda não mereça tanto, um empresário bem-sucedido, de bem com a vida, com uma tradição de trabalho e devotamento ao setor da saúde. Também não o conheço pessoalmente, mas fiquei contente com o show de inteligência e humanidade que ele deu no programa.
Mostrou que o Brasil ainda tem homens -homens que acabam repudiando a vida pública justamente por serem homens de valor. A prática política, descambando cada vez mais para fisiologia desvairada, afasta os melhores e cede vez à mediocridade daqueles que se medem pela cor do saco.

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