São Paulo, sexta-feira, 5 de abril de 1996
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REMÉDIO PIOR QUE A DOENÇA

Ao concluir que o motim em Goiás serviu de "lição" às autoridades tomadas como reféns, que "sentiram a realidade" do presídio, o líder da rebelião esqueceu que essa foi apenas mais uma dentre outras "lições" oferecidas nas últimas décadas aos que ainda defendem o perverso e ineficaz sistema carcerário do país. E, apesar das sucessivas "segundas épocas" e reprovações que vem sofrendo, a mentalidade penitenciária no país está longe de se corrigir.
Pagou-se um preço alto para que a rebelião não viesse a terminar desgraçadamente em uma chacina como a do Carandiru. Além da fuga de 40 presos, com seis reféns, os detentos receberam oito carros, 16 revólveres calibre 38, 16 caixas de munição, cinco coletes à prova de bala e três celulares. Segundo o líder, para garantir a "integridade física" dos reféns.
É claro que, em atendimento à necessidade inquestionável de preservar vidas humanas, e na ausência de um serviço policial capacitado para reverter uma situação desfavorável, paga-se a rigor qualquer preço. Nesse sentido, pode-se dizer que a negociação foi bem-sucedida.
Mas quando se chega a um ponto em que, para deter a rebelião, é preciso, paradoxalmente, aparelhar logo aqueles que, quanto melhor municiados, poderão praticar com maior eficácia os mesmos delitos que os levaram à detenção e outros talvez mais atrozes, tudo indica que o sistema carcerário já atingiu o paroxismo da inocuidade e perdeu completamente sua própria razão de ser.
A lição, que há muito tempo vem sendo exposta aos envolvidos com o problema carcerário, é que a detenção, pura e simples, de criminosos de todos os tipos, em condições abjetas como as dos presídios brasileiros, sem qualquer acompanhamento educativo e psicológico, e sem atividades que os tornem produtivos, é apenas e tão somente um investimento na agudização do mal que se deseja evitar, a criminalidade.

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