São Paulo, sexta-feira, 5 de abril de 1996
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O sinal da cruz

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - Não é muito citado o romance de William Barrett que serviu de base ao filme que consagrou Charles Laughton no papel de Nero. É subliteratura óbvia, mas tem um prefácio bonito. Barrett imagina dois carpinteiros trabalhando na pequena oficina junto ao morro do Templo, em Jerusalém.
Aplainam madeiras, uma delas com 12 pés de altura, outra de seis. Sabem vagamente que aquelas duas madeiras, em forma de cruz, serão levadas por um tal de Jesus de Nazaré, que nelas será crucificado.
Terminam a tarefa e vão beber na taberna próxima, antes que comece o sabath da Páscoa. "Nenhuma pedra esculpida por Fídias ou Michelangelo, nenhuma obra de arte, nenhum manuscrito precioso do pensamento humano iria empolgar a imaginação, tocar o coração e perturbar a alma do homem quanto aquelas duas peças toscas que haviam fabricado."
Ligadas uma à outra, elas iniciavam o mais assombroso destino traçado a qualquer outra obra feita por mão humana. Humberto de Campos, outro que ninguém mais cita, lembra que os Césares jamais conseguiram destravar aqueles dois pedaços de madeira. "Com eles, homens desarmados enfrentaram príncipes poderosos e generais invencíveis. Com ela, Leão Magno vai ao encontro de Átila salvando Roma do saque." No punho dos guerreiros, nas velas das naus que descobriam novos mundos, aquelas duas madeiras em cruz percorreram um caminho inexplicável.
Dois homens simples a fizeram. Um homem simples a carregou nos ombros, a caminho da morte. Daí em diante, aquelas duas madeiras em cruz estarão presentes na espada dos vencedores, no túmulo dos vencidos, na testa das crianças que recebem a bênção, nas mãos dos jovens que se casam, no peito dos que morrem.
E tudo teria nascido numa oficina humilde, à sombra do Templo, em Jerusalém, dois mil anos atrás, antes que a primeira estrela do sabath brilhasse sobre os campos e sobre os desertos.

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