São Paulo, domingo, 7 de abril de 1996
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Seja marginal, seja herói

MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
EDITOR DE DOMINGO

A frase do título, impressa por Hélio Oiticica numa bandeira, acompanhada da figura, em alto contraste, do corpo do bandido Cara de Cavalo, tornou-se um ícone dos anos 60/70.
Num tempo em que a juventude rejeitava as formas convencionais da vida social e em que o arbítrio policial atingia não mais apenas pretos e pobres, ressurgiam sob o véu da contestação velhos arquétipos do banditismo heróico.
A figura do marginal ganhava tons românticos, aproximava-se da experiência imediata de setores radicalizados da classe média e filiava-se à mesma série simbólica do guerrilheiro, do artista outsider, do jovem contestador.
Estavam todos, de alguma forma, do mesmo lado. Tinham todos os mesmos inimigos, eram todos vítimas do mesmo mecanismo opressor.
Essa aliança teve seu espaço fechado pelo recuo do autoritarismo e pelo surto da normalização yuppie, ao longo da década de 80, que empurrou a juventude de classe média para o miolo do que se chamava, até então, "sistema".
Ao mesmo tempo, os vestígios românticos do banditismo apagavam-se na parafernália do crime organizado, na violência sem limites e na barbárie da selva urbana.
Ser marginal perdeu todo o glamour. Em todas as atividades, em todos os significados.
Glamouroso passou a ser conquistar assento cativo no mercado, único lugar possível da sobrevivência moderna.
Mas o mundo roda, e nas franjas da globalização uma multidão de excluídos, desempregados, despreparados e desesperados, incapazes, por uma razão ou por outra, de fazer do mercado sua morada, vai impondo uma sombria silhueta à luz alegre da festa da integração.
Marginais, ei-los novamente em cena, obtendo representação no estampido seco do rap matador de tiras, na explosão do mundo funkeiro, nos personagens bizarros e trágicos do cinema de Quentin Tarantino, Robert Rodriguez, Larry Clark, Mike Figgs, Wayne Wang e Mathieu Kassovitz.
No Brasil, país de Sganzerla e seu esplêndido "O Bandido da Luz Vermelha", o novo filme do gênero aconteceu ao vivo, pela TV. O protagonista: Leonardo Pareja, o Lúcio Flávio dos 90 (que Babenco filmou), branco, com escola, marginal por opção.
Pareja é um novo elo na interlocução perdida entre o mundo dos integrados e o dos excluídos.
Acalma os animais, controla o estouro da boiada, exerce o papel de vanguarda esclarecida da turba em pé de guerra. Marginal e herói do Brasil real.

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