São Paulo, domingo, 7 de abril de 1996
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Livro avalia experiência do supercapitalismo asiático

Autor de 'Asia Rising' dá a receita do rápido crescimento

OSCAR PILAGALLO
DO ENVIADO ESPECIAL A HONG KONG

Países pobres em meados do século, os Tigres Asiáticos vão virar o milênio entre os mais prósperos do mundo. A receita desse sucesso é o objeto de "Asia Rising", livro de Jim Rohwer, chefe do departamento econômico asiático do banco americano CS First Boston.
Rohwer, 47, formado em Berkeley e Harvard, identifica no supercapitalismo a raiz comum do processo que marcou a região.
O livro, cujo título significa ascensão asiática, é um best seller, com 35 mil cópias vendidas no mundo. No Brasil, a Nobel negocia a compra do direito autoral.
Vivendo há cinco anos em Hong Kong, o americano Rohwer mantém o olhar estrangeiro de quem não vai além de poucas palavras em cantonês, a língua da região.
Foi dessa perspectiva que ele falou à Folha, em seu escritório na ilha de Hong Kong, de onde se avista, através da neblina indefectível, o continente chinês.
*
Folha - Como explicar o sucesso dos Tigres Asiáticos?
Rohwer - O fator mais importante foi a abertura ao mundo exterior. É verdade que houve restrições comerciais e de investimentos. Em algumas partes, a abertura foi maior, como em Cingapura e Hong Kong, e em outras foi menor, como na Coréia do Sul.
Folha - Qual a raiz do processo?
Rohwer - Há razões históricas. No início do processo, em meados deste século, esses países haviam acabado de viver décadas terríveis de guerras, fome e revoluções. Eles sabiam que, se não tivessem êxito, estariam acabados. Isso deu um impulso histórico e psicológico.
Folha - Esse contexto tornou a presença de múltis mais palatável?
Rohwer - Na Ásia, ao contrário da América Latina, nunca houve antagonismo nacionalista a companhias estrangeiras. Esse é um dos segredos do sucesso dos tigres. Eles viram nas múltis uma fonte de capital e tecnologia.
Folha - O que mais foi feito?
Rohwer - Outro ponto em comum foi a opção por governos enxutos, que exigem poucos recursos. Um terceiro ponto foi o fim da mentalidade que gerou a sociedade do bem-estar social. O resultado é que a Ásia aprendeu a lidar com grandes mudanças. Se adaptou em vez de oferecer resistência.
Folha - Esse receituário é antipopular. O senhor acha que a falta de tradição democrática na região facilitou as mudanças?
Rohwer - Essa é uma questão complicada. O autoritarismo por si só não assegura o crescimento. As Filipinas sob Marcos, por exemplo, tiveram um governo autoritário e um dos piores desempenhos na região.
O que aconteceu na Ásia foi que governos autoritários foram capazes de introduzir políticas que serviram ao interesse nacional. O autoritarismo escapa da armadilha dos lobbies que se colocam acima do interesse nacional, o que é comum nas democracias.
Folha - Nesse sentido, o autoritarismo facilita a transição?
Rohwer - Sim. Foi o que ocorreu na Coréia e em Taiwan. E também no Chile e no Peru. É o mesmo modelo. Governos autoritários dedicados a construir um país podem passar por cima de interesses que bloqueiam o crescimento.
Folha - A ausência de mecanismos democráticos não compromete as reformas mais tarde?
Rohwer - É verdade. A questão a longo prazo é que na medida em que as pessoas ficam ricas elas aspiram a mais liberdade. Não se pode administrar um país como se fosse uma fábrica. Por isso é preciso haver mudanças em direção ao pluralismo. Isso é inevitável.
Folha - O crescimento da Ásia pode se repetir em outras regiões?
Rohwer - O Chile é um bom exemplo de que isso é possível. Não é só um fenômeno cultural. É o resultado de uma política.
Folha - Países como o Brasil, com grande parte da população vivendo na pobreza, podem dispensar políticas de bem-estar social?
Rohwer - Bem, o Brasil não tem um sistema assim, a não ser para a classe média. Você mencionou a pobreza, mas o problema real é que o país tem sido vitimado pelos lobbies. Pegue a educação. Na Ásia, o grosso dos gastos com educação é feito no primário e secundário, o que beneficia os pobres. No Brasil, se gasta muito mais nas universidades, um enorme subsídio para quem não precisa.
Folha - Quais as chances de o Brasil ainda pegar esse trem que conduziu a Ásia ao crescimento?
Rohwer - Como todo país de grande porte, o Brasil terá grande dificuldade em fazer transformações radicais. E a taxa de poupança é pequena. Sem uma taxa maior, não há como esperar crescimento acima de 5% ou 6% ao ano.
Folha - No livro, o senhor cita a Lei da Informática como exemplo do que não fazer. De lá para cá, como avalia as mudanças no Brasil?
Rohwer - O que vem ocorrendo nos últimos dois anos é encorajador. O Brasil está começando a se transformar, mas o processo é muito lento. Há muitos lobbies que criam obstáculos.
Folha - Quais o senhor citaria?
Rohwer - Os bancos, que usam dinheiro do contribuinte quando estão em dificuldades. O governo deveria permitir que quebrassem.
E os sindicatos, que atendem aos interesses de seus membros, mas não ao do Brasil.

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