São Paulo, domingo, 7 de abril de 1996
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Recessão e massacre da agricultura

ALOYSIO BIONDI

A revelação dos "rombos" do Tesouro em 95 e janeiro de 96 provocou análises na imprensa, em fevereiro. Na época, um dado importante para explicar a recessão foi ignorado. Trata-se dos gastos que o governo autorizou para o plantio e comercialização das colheitas de 1995.
Pasme-se: no final das contas, o dinheiro liberado pelo Tesouro em 995 mal chegou aos R$ 300 milhões, ou R$ 25 milhões por mês, ou menos de R$ 3 mensais para cada um dos 12 milhões de agricultores brasileiros.
O Tesouro liberou míseros R$ 900 milhões e arrecadou uns R$ 600 milhões com a venda de estoques de produtos agrícolas. Saldo final: aqueles ínfimos R$ 300 milhões no ano.
Mais uma vez autoritária, a equipe econômica não liberou dinheiro para o governo comprar colheitas pelo preço mínimo, como manda a lei: e nem para empréstimos a que os produtores têm direito, para irem vendendo suas colheitas aos poucos, evitando o excesso de oferta.
Resultado: os preços desabaram, os produtores sofreram prejuízos, ficaram sem poder aquisitivo, a renda agrícola de 95 não "apareceu" e a compra de bens ou serviços foi impossível. Agravou-se a recessão.
Em 96, o quadro parece diferente: os preços agrícolas dispararam no exterior e subiram também aqui dentro.
Em tese, com a venda das colheitas, já em andamento, a renda agrícola vai subir e ajudar a reduzir a recessão. Na prática, isso não vai ocorrer, se o governo não liberar recursos para que o produtor comercialize suas safras aos poucos, ou para a compra de estoques.
Sem apoio do Tesouro, milhões de produtores venderão suas colheitas às pressas, a qualquer preço -porque precisam de recursos para saldar compromissos e sobreviver. A alta de preços trará lucros apenas para os intermediários.
Traduzindo: milhões de agricultores continuarão sem dinheiro para consumir -e sem ajudar a reativar a economia. Isso já está acontecendo.
Nem Irecê
A seca destruiu metade da safra de feijão da sofrida Irecê, pelo segundo no consecutivo. Mesmo assim, há poucos dias, milhares de famílias da região estavam vendendo o que restou das colheitas com prejuízo, por valores abaixo do preço mínimo. Falta de crédito agrícola. Massacre repetido.
Órfã
A agricultura é a grande orfã da imprensa. Se uma fábrica é fechada ganha notícia nos jornais e aparece na TV. Milhões de agricultores são massacrados por equipes econômicas. Só viram notícias enquanto "marchas a Brasília".
Mais recessão
Não adianta apenas reduzir os juros para reverter a recessão e o desemprego. Quando o consumidor compra, a empresa fatura e pode enfrentar juros elevados (mesmo que eles sejam condenáveis). A raiz do problema é, portanto, a queda do poder de compra do consumidor, resultante do congelamento dos salários.
Memória
Em meados do ano passado, o governo fez uma falsa "desindexação de economia". Liberou o reajuste de contratos diversos, como aluguéis, e congelou os salários por um ano (reajuste só na época do dissídio). Deu no que deu.
Recessão ainda
O "arrocho" como arma do Plano Real continua. Desde janeiro, o governo nega reajuste aos funcionários públicos. Agora, anuncia que qualquer reajuste do salário mínimo e das aposentadorias ficará no máximo em 10%, abaixo da inflação de 12 meses. A recessão agradece.

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