São Paulo, domingo, 7 de abril de 1996
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Páscoa da República

MARIA DA CONCEIÇÃO TAVARES

A 1ª República começou com um encilhamento financeiro que levou à quebra dezenas de bancos e à refundação do Banco do Brasil (BB), que desde então atravessou todas as crises, até atingir a atual provocada pelas medidas de "ajuste" dos assessores da malfadada Nova República.
Desde 1986, o BB é obrigado a captar recursos aplicados no crédito rural, muitas vezes com o descasamento das taxas de juros. Esse desequilíbrio e o das contas externas, que o BB opera por delegação do Tesouro, atingiram o paroxismo com a política cambial e monetária do Plano Real.
A crise agrícola de 1995 deu lugar a uma taxa de inadimplência no setor rural de cerca de 40% (dados da MP de 20/03/96). Note-se que o BB cobrou altas taxas de juros dos pequenos e médios produtores, os que verdadeiramente arcaram com a "âncora verde" do Plano Real, cuja inadimplência é inferior a 10%. Os grandes simplesmente deixaram de pagar e negociaram diretamente com o presidente FHC o adiamento de R$ 7 bilhões de dívidas.
O atual governo hesitou até o começo deste ano sobre o que fazer com os rombos patrimoniais do BB, optando finalmente por uma solução de capitalização de R$ 8 bilhões em títulos da dívida pública, que não resolve a situação patrimonial do banco.
Aos poucos vai aparecendo a conta do que custou ao BB ter de levar a cabo essa política do Executivo: inadimplência dos devedores privados do BB, R$ 8 bilhões; provisão para devedores duvidosos, R$ 4,6 bilhões; prejuízo em balanço de 1995, R$ 4,5 bilhões.
A capitalização que o Tesouro anunciou mal chega para compensar as perdas causadas ao banco com as provisões para devedores e o prejuízo cambial resultante de manter o BB como suporte das negociações da dívida externa com a família Dart.
Paradoxalmente, o presidente resolveu desenterrar os esqueletos ocultos de administrações passadas (desde 1980) e culpá-los pela atual crise do BB. A MP de 20 de março trata de poucos esqueletos, que vão das "polonetas" do ex-ministro Delfim Netto (US$ 130 milhões) até o Proagro de Collor (R$ 460 milhões), num total de R$ 1 bilhão.
O governo resolveu finalmente pagar essa indenização ao seu agente financeiro, mas deixou os demais esqueletos no armário, engordando com os juros altos. O próprio presidente do BB anunciou publicamente que este continua quebrado no primeiro semestre de 1996!
É de espantar a diferença de tratamento entre o estardalhaço e a confusão com que foi anunciado o prejuízo do BB pelas autoridades e a discrição e o tratamento com luvas de pelica da quebradeira antiga dos bancos Econômico e Nacional. A estes, o governo mandou socorrer no interbancário pelo próprio BB e pela Caixa Econômica Federal, em montantes não esclarecidos, alegando sigilo bancário.
No caso do Econômico, para evitar um balanço verdadeiro em 1993, dispensaram-se as provisões para devedores duvidosos. O passivo a descoberto, estimado no ano passado em R$ 1,9 bilhão, sabe-se hoje ter atingido R$ 2,6 bilhões e, no entanto, o governo emprestou cerca de R$ 4 bilhões antes de declará-lo quebrado.
Também se sabia desde 1993 de operações CC5 fraudulentas do Banco Nacional, pelas quais só agora o contador Clarimundo Santos está sendo julgado, e não os sócios controladores, como manda a Lei do Colarinho Branco.
Quanto à sua situação falimentar e ao estelionato de cerca de R$ 5 bilhões, sabe-se que o presidente da República disto teve conhecimento, pelo menos desde outubro do ano passado e, no entanto, foi inventado o Proer especialmente para facilitar a "absorção" do Nacional pelo Unibanco, gastando-se cerca de R$ 6 bilhões.
Todas essas operações foram feitas sem autorização do Congresso e, no entanto, sob a alegação de "risco sistêmico" impede-se a CPI que deveria averiguar esses fatos.
Ao mesmo tempo em que se lança o BB às feras, faz-se propaganda da coragem do presidente em tornar indisponíveis os bens de sua neta (uma óbvia obrigação legal), como se ela e toda sua família tivessem os R$ 5,5 bilhões que o governo resolveu doar não se sabe a quem, já que o Nacional não existe mais e o Unibanco só recebeu R$ 290 milhões do Proer de janeiro a março.
O diretor do Banco Garantia, Cláudio Haddad (ex-diretor do BC), em recente matéria na "Gazeta Mercantil" ("Os bancos no olho do furacão", 29/03 p.p.), confessou ter "mixed feelings" sobre a CPI dos Bancos, que apóia como cidadão, mas sobre a qual tem dúvidas pragmáticas como banqueiro, a despeito de reconhecer que não haveria risco sistêmico. O seu medo é de atrasar as "reformas", o que, segundo, ele seria ruim para o país.
Ele, evidentemente, não contabilizou o "custo fiscal das reformas", que aparentemente o governo está disposto a pagar: R$ 7 bilhões da bancada rural; R$ 3,5 bilhões para o prefeito Maluf; R$ 5 bilhões para o governo do Rio Grande do Sul; R$ 7,5 bilhões para o governo de São Paulo; não se sabe quanto para o Rio de Janeiro e o Nordeste.
Muitos deputados são lobistas, mas evidentemente não arrecadarão os R$ 25 bilhões que o governo terá de pagar em 1996, por conta das pseudo-reformas. Assim como eles, os funcionários públicos também não foram responsáveis pelo rombo de R$ 40 bilhões nas necessidades de financiamento do setor público, inteiramente à margem do orçamento fiscal de 1995!
Não estou avaliando o custo da desmoralização do Congresso, mas pergunto: Qual o valor transformador das reformas para o país? A única que já foi votada em primeiro turno, a da Previdência, não resolve o problema da Seguridade Social e quebra a Previdência Pública Complementar, uma fonte de poupança institucional que equivale a R$ 40 bilhões. As outras ficarão para quando Deus quiser, ou o Executivo mandar.
A opinião pública pressiona por uma CPI para averiguar os prejuízos verdadeiros da operação de "salvamento" dos bancos. Espera também que o Congresso seja ainda capaz de alguma independência em relação ao Executivo, pelo menos no equacionamento das graves distorções do sistema financeiro. O que, como é óbvio, não se limita à regulamentação formal do artigo 192 da Constituição.
Não tenho muitas ilusões sobre o poder dos congressistas para fazer face a problemas desta gravidade, mas sempre é melhor lutar do que assistir de camarote ao colapso da República.

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