São Paulo, domingo, 7 de abril de 1996
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Caniggia quer jogar Copa e fazer gol de mão no Brasil

DENISE CHRISPIM MARIN
DE BUENOS AIRES

Ele quer voltar à seleção da Argentina e marcar um gol de mão contra o Brasil, numa resposta ao brasileiro Túlio. Essas são ambições do polêmico atacante argentino Claudio Paul Caniggia, 29.
Carrasco do Brasil na Copa do Mundo de 1990, Caniggia diz que não há substituto para ele na seleção de Daniel Passarella. Mas não admite cortar o cabelo comprido, como exige o técnico.
O elástico preto, que usa no cabelo durante as partidas, serve de pulseira no braço direito enquanto Caniggia recebe a Folha para uma entrevista no hotel onde está concentrado com a equipe do Boca Juniors, no centro de Buenos Aires.
Jeans preto, camiseta preta, sapatos pretos. Tatuagens e cicatrizes. Cabelo nos ombros. Mas ele insiste em dizer que não constrói sua imagem.
Na entrevista, Caniggia falou da sua suspensão por 13 meses, devido a um exame antidoping positivo, mostrou pouco ânimo em continuar no futebol argentino e se animou ao indicar o botafoguense Túlio como um bom goleador.
Ele quer jogar mais cinco ou seis anos e estar na Copa de 1998.
*
Folha - Noticiaram que você iria cortar o cabelo. Seria por causa das imposições de Passarella?
Claudio Paul Caniggia - Não. Eu só corto as pontas a cada mês. Mas curto, não. Não é para mim.
O cabelo é parte de uma pessoa. Eu não utilizo para compor uma imagem. Mas porque eu gosto.
É como uma mulher que se levanta de manhã e, de repente, vê sua cabeça raspada. Ela não vai gostar. Depois, no futebol, não é regra necessária ter cabelo curto.
Folha - Você recebeu convite de Passarella para integrar a seleção?
Caniggia - Por enquanto, não.
Folha - Mas você está se preparando para voltar à seleção?
Caniggia - Tenho que estar na seleção porque ela precisa de mim.
Folha - Como assim?
Caniggia - Nenhum jogador da seleção argentina tem as minhas características. A velocidade e o drible que tenho ninguém possui.
Folha - Mas Passarella impõe o cabelo curto aos jogadores da seleção. Batistuta cortou o dele.
Caniggia - Passarella é um homem inteligente e declarou que deixará de lado certas coisas desde que o jogador seja disciplinado. Jantando às 22h e treinando às 9h, não é preciso cortar o cabelo.
Folha - E você é disciplinado?
Caniggia - Sim, claro.
Folha - Mas você desapareceu no início do ano. O que aconteceu?
Caniggia - Não desapareci. Como assim?
Folha - Os jornais e as rádios diziam que você tinha viajado e que o técnico não o encontrava.
Caniggia - Eu fui uma semana a Roma e pedi alguns dias de licença. Como iria à Europa sem avisar? Faltei duas ou três vezes ao treinamento simplesmente para solucionar problemas familiares. Mas sempre avisei. Nesses momentos, há sempre jornalistas que dizem coisas estúpidas.
Folha - Você disse que não usa o cabelo como parte de sua imagem. Mas sempre se veste de preto. Isso não é construir uma imagem?
Caniggia - Tudo tem sua época. Isso não quer dizer tampouco que, com 30 anos, tenho que usar camisa, gravata e cabelo curto. Posso acordar amanhã e decidir cortar o cabelo.
Cerca de 80% das minhas roupas são pretas e brancas. Não gosto de cores. Isso desde os 16, 17 anos. Se visto uma camiseta colorida e saio na rua, tenho vontade de voltar logo para casa e mudar de roupa. Todos os meus ternos são pretos. De cada sete dias da semana, em cinco estou de preto ou branco.
Folha - Você se preocupa em vestir roupas de marcas famosas?
Caniggia - Uso sempre roupas italianas.
Folha - Mas essa camiseta é de marca norte-americana, Levi's.
Caniggia - Sim, mas meus ternos e camisas são italianos. Ando sempre de jeans Versace e Levi's.
Folha - Você é sempre preocupado em se vestir bem?
Caniggia - Não, estou sempre de jeans. Mas uso boas roupas. Gosto da marca Versace.
Folha - E isso tudo não faz parte da imagem de Caniggia?
Caniggia - Não, o que tem a ver? Eu gosto de usar essas roupas. Já me ofereceram dinheiro para fazer promoção de marcas e outros tipos de roupas. Recusei, porque não gosto. Eu compro e uso as roupas italianas porque gosto.
Folha - Você teve um problema com drogas e chegou a ser suspenso por 13 meses. O que aconteceu?
Caniggia - Não, outra vez esta história, não.
Folha - Hoje você tem problemas com drogas?
Caniggia - Não, eu nunca tive problemas com drogas.
Folha - E como explica sua suspensão (13 meses, entre 93 e 94)?
Caniggia - Eu não tenho porque explicar. Estou dizendo que nunca tive problemas com drogas. Jamais tive um vício. Ainda mais um jogador de futebol, que faz controle antidoping, que treina quase todos os dias.
Eu sempre treinei. Jamais faltei a um treinamento se não fosse por uma causa justa. A gente pode cometer algum erro uma vez. Mas isso não significa que seja viciado.
Não sou viciado em nenhuma coisa que não seja o futebol.
Folha - Você ficou bravo com o fato de ter sido indicado quatro vezes seguidas para o exame antidoping no último campeonato?
Caniggia - Não é que me incomodou. Eu disse que poderiam fazer quantos exames quisessem. Como ficaria incomodado? Faz parte do trabalho. Disse apenas que parecia estranho que eu fosse o escolhido tantas vezes seguidas.
Muita gente fala facilmente sobre a droga como se fosse um problema no futebol. Mas isso é um problema social que não tem nada a ver com o futebol.
Folha - Você aqui vive em hotel. Não é difícil?
Caniggia - Para mim, não. Se eu tivesse minha mulher e meus filhos aqui, claro que não viveria em um hotel. É mais fácil. Não tenho que fazer comida, só peço.
Folha - Como é sua rotina fora do campo?
Caniggia - Passo o tempo como passo. É duro estar longe da família (a mulher, Mariana, mora em Roma).
Folha - Mas o que você faz depois dos treinamentos?
Caniggia - Vou jantar com os amigos, vejo filmes na TV. Os de Al Pacino e Robert de Niro são meus prediletos. Não posso ir ao cinema. É difícil sair nas ruas porque tenho que dar autógrafos. É maravilhoso estar com o povo, mas o futebol aqui é uma paixão. Romário, no Brasil, também não pode caminhar tranquilo.
Folha - Você vive, então, recluso. Quase em uma prisão?
Caniggia - Sim, com certeza, sim. É preciso estar bem da cabeça.
Folha - Você faz algum tipo de psicoterapia?
Caniggia - Não, jamais fui a um psicólogo. Não gosto. Mas há pessoas que vão, e isso lhes faz muito bem. Por agora, não iria. Se uma pessoa está bem da cabeça, está forte e pode fazer qualquer coisa.
Folha - Você pratica outros esportes, até como complemento aos treinamentos?
Caniggia - Não, somente o futebol. Eu jogava tênis de vez em quando. Mas não me interesso muito. Aproveito o tempo para fazer outras coisas. Às vezes, faço musculação como complemento.
Folha - O que são essas duas cicatrizes no seu braço esquerdo?
Caniggia - Eu fraturei o braço durante uma partida de futebol na Iugoslávia, quando jogava na roma. Eu saltei junto com outro jogador e, quando caí, me apoiei mal, e o osso quebrou. Como ficou sangue pisado, tiveram que abrir, e formou-se um quelóide.
Folha - E essas tatuagens?
Caniggia - Eu as fiz porque gosto. A da mão direita é uma rosa entre labaredas de fogo. A outra, no braço esquerdo, é um dragão, que ainda falta terminar.
Folha - Você hoje está atravessando uma boa fase. Este período contrasta com o Torneio Abertura, no segundo semestre de 95, quando seu desempenho era criticado. O que aconteceu naquela fase?
Caniggia - Fiz um trabalho físico importante em 1995 e ganhei um campeonato no Benfica, de Portugal. Depois, estive quase 40 dias em inatividade. Voltei ao Boca e comecei a jogar.
Talvez eu não estivesse concentrado como tinha que estar em alguns jogos. Também estive lesionado. Perdi muito de meu aspecto físico e não cheguei ao nível que estava acostumado a ter.
Folha - Seus problemas familiares influíram nisso?
Caniggia - Não. Apesar de que é duro quando não a gente não está com a família.
Folha - Você pretende terminar o Torneio Clausura no Boca?
Caniggia - Sim.
Folha - Você já pensou alguma vez em deixar de jogar futebol?
Caniggia - Não, não, isso não. Isso disse algum exagerado.
Folha - E vai continuar jogando até que idade?
Caniggia - Espero jogar por mais cinco ou seis anos, pelo menos, porque sei que estarei bem fisicamente. Eu não tenho um físico pesado, entro logo no ritmo.
Folha - Em 1998, quando você tiver 31 anos, acredita que estará tão bem para jogar contra adversários de 22 anos, em média?
Caniggia - Vou estar melhor aos 31 anos do que quando tinha 24 ou 25 anos.
Folha - Em sua má fase, Maradona deu declarações favoráveis a você. Ele é um bom companheiro?
Caniggia - Maradona sempre foi um bom companheiro. Mas a decisão tomei eu mesmo, ninguém influenciou. Quando cheguei à Argentina, disse que queria ir embora em janeiro, pois não estava bem. Tinha recebido oferta de clubes europeus e do Japão. Mas havia uma questão de conveniência. Era difícil romper um contrato como o que eu tenho com o Boca.
Folha - Você conhece Maradona desde quando?
Caniggia - Desde fins de 1986, durante uma partida em Zurique, na Suíça. Foi a primeira vez que jogamos juntos pela seleção argentina. Mas estivemos em campo antes em equipes opostas: quando a seleção treinava jogando contra a terceira divisão do River Plate, onde eu era atacante. Tinha 17 anos.
Folha - Seu contrato com o Boca termina em julho. O que você fará?
Caniggia - Não sei o que fazer.
Folha - Pensa em renegociar sua permanência no Boca?
Caniggia - Claro. Mas meu passe não é do Boca Juniors, mas da TV América 2. Tanto o meu quanto o de Maradona.
Folha - Quando você retornou, os jornais diziam que a razão era seu desejo de voltar ao futebol argentino e de estar em seu país.
Caniggia - Eu nunca disse isso. Eu jamais disse que queria porque queria voltar ao meu país. Eu amo meu país, mas tinha recebido ofertas da Europa inclusive.
Não estou renegando uma decisão minha. Voltei a um clube grande. Mas firmei um contrato apenas por um ano. Se quisesse voltar mesmo ao meu país, teria assinado um contrato por três anos.
Folha - Você já recebeu ofertas de clubes brasileiros?
Caniggia - Sim. O Flamengo me contatou dois meses antes de terminar meu contrato com o Benfica. Depois, surgiu outro clube do Rio. Não me lembro o nome.
Folha - Você tem vontade de jogar no Brasil?
Caniggia - Por um momento, até pensei. Era uma possibilidade. Por que não? Mas depois recebi o convite do Boca.
Folha - Entre brasileiros, há algum atacante veloz?
Caniggia - Túlio, por exemplo. Não creio que seja tão rápido, mas é um goleador. É um jogador que está mais na área.
Eu sou dos que arrancam mais atrás da jogada. Intervenho mais na jogada, volto ao meio-campo e toco a bola.
Sou diferente de Batistuta ou de Balbo, que gostam de estar mais adiante.
Folha - Você perdoa Túlio pelo gol de mão contra a Argentina?
Caniggia - Ele foi vivo, há que se reconhecer. Não podia pegar a bola com o pé e a tocou com a mão. É uma esperteza do jogador. Quem esteve mal foi o árbitro.
Folha - Você já fez gol de mão?
Caniggia - Não, nunca. Algum dia ainda vou fazer um. E será contra o Brasil.

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