São Paulo, domingo, 7 de abril de 1996
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Mosaicos de conceitos seculares

FERNANDO DE BARROS E SILVA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Faz já algum tempo que a filosofia ocupa lugar de destaque na mídia, mercado editorial, ciclos de debates públicos ou privados e outras áreas que movimentam a chamada indústria cultural do país.
Problemática, essa apropriação de uma disciplina sisuda e de difícil acesso pelo mundo da cultura de massas vem produzindo resultados desiguais ao longo dos últimos 15 anos, pelo menos. Se às vezes funciona como um verdadeiro impulso esclarecedor, outras tantas não é mais do que um espetáculo destinado a um público que acredita sair mais inteligente e a par da última novidade de além-mar depois de ver, por exemplo, uma conferência de Jacques Derrida.
É dentro deste contexto contraditório, em que esclarecimento e mistificação ilustrada andam muitas vezes embolados, que deve ser saudada a nova coleção "Mosaico", lançada pela também recente Lido Editora.
Rebento relativamente tardio, porém maduro, do "boom" filosófico no país, a coleção "Mosaico" estréia bem com dois livros escritos por uma dupla de jovens professores de filosofia formados pela USP que lecionam na Universidade Federal do Paraná e atualmente concluem seus respectivos doutorados na França.
"Entre a Ética e o Interesse", de Maria Isabel Limongi, e "Quatro Figuras da Aparência", de Vinicius Figueiredo, têm em comum o fato de serem exemplos muito típicos do modo como se ensina a lidar com os grandes pensadores no departamento de filosofia da USP.
Seguindo a orientação da coleção, que pretende apresentar "textos clássicos por meio de um recorte temático de autores e obras", intercalando comentário e citação, os dois volumes compõem uma excelente introdução aos assuntos que abordam.
"Entre a Ética e o Interesse" discute a relação entre o bem e o útil partindo de Aristóteles. Mostra como essa relação sofre uma reviravolta na era moderna, com Thomas Hobbes, e avança analisando como a questão é tratada nas obras de Rousseau e Benjamin Constant, até desembocar na dupla Marx e Engels e em Max Weber.
"Quatro Figuras da Aparência" discute esse tema que percorre toda a filosofia nas obras de Platão, Montaigne, Rousseau e Tolstói.
Seria imprudente e arbitrário em espaço tão breve entrar no mérito das análises de tantos autores. Vale mais ressaltar o cuidado didático que cerca os dois livros, seja no esforço analítico, ao mesmo tempo acadêmico e claro, seja no acabamento das edições, que incluem uma pequena biografia.
São livros destinados sobretudo aos que querem arriscar seus primeiros passos na seara filosófica. O fato de não terem aquele apelo mercadológico que inundou as livrarias com obras tão bonitinhas quanto ordinárias é só um motivo a mais para recomendá-los.

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