São Paulo, domingo, 7 de abril de 1996
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A grande saúde

VINICIUS TORRES FREIRE
DA REPORTAGEM LOCAL

Um planeta e seres perfeitamente saudáveis e puros. A grande utopia do século 21 é uma religião ecobiológica, a "Grande Saúde". Os seus textos sagrados estão sendo escritos nos laboratórios de genética e ecologia, seus objetos de culto são produtos da biotecnologia e receitas dietéticas.
Os praticantes da religião aparecem ainda como antitabagistas ou consumidores de comida sem colesterol, mas a "Grande Saúde" quer contar e fazer uma nova história humana: purificar todos os seres geneticamente defeituosos e o planeta, levar o homem de volta ao paraíso por meio da ciência.
O autor da tese é o sociólogo francês Lucien Sfez, que publicou na França "A Saúde Perfeita" (Seuil), no qual estudou a imagem do corpo e da natureza nos EUA, França e Japão. Ainda em 96, vem ao Brasil com o mesmo objetivo.
Sfez não se abala com as limitações atuais da ciência: com o avanço mais lento do que a propagandeada cura de doenças genéticas. Ou com o fato de que países tecnologicamente avançados como a Inglaterra tenham de sacrificar seu rebanho por causa de uma doença rural estranha, a da vaca louca. Ou que países como o Brasil não consigam praticar uma técnica já um tanto rudimentar como a hemodiálise sem matar dezenas de doentes, como em Caruaru.
Essa utopia se desenvolve num mundo de desigualdades culturais e econômicas. Onde houver dinheiro para as terapias gênicas, as diferenças culturais serão atropeladas pela biotecnologia -os pobres, os excluídos genéticos, como diz Sfez, ficarão com as "medicinas alternativas". Vandana Shiva, Nobel da Paz Alternativo, vê essa "utopia" como desastre.
No entanto, os utopistas dos seres puros já pensam em corrigir de antemão a imperfeição humana: criar seres artificiais vivos, ciberseres, que terão também sua biologia e instituições, tarefa da qual já se ocupa o cientista Tom Ray.

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