São Paulo, domingo, 7 de abril de 1996
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Rosas do outono

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - Nem chega a ser jardim. São os escombros de um pequeno gramado entre dois prédios, aqui na Lagoa. Num desses prédios mora o Antônio Houaiss, no outro moro eu. Pois nesse jardim, mesmo com o desmoralizado outono do Rio, todos os anos nascem uma rosas, para ser exato apenas duas -mas bastantes.
O terreno está abandonado, em litígio judicial, parece, ninguém cuida das rosas, elas nascem de teimosas e, ao contrário das rosas de Malherbe -que hoje ninguém mais cita-, duram mais do que o espaço de uma manhã.
O que me assombra é a fidelidade dessas rosas ao outono, não ao outono real, que faz cair as folhas e ameniza o calor. Como as quaresmeiras que explodem no início da Quaresma, as rosas aqui vizinhas esperam o calendário dos homens marcar a chegada do outono. Ou, mais improvável na certa, esperam eu chegar à janela para conferir.
Sim, lá estão elas, as duas, na véspera não estavam ali, dormiam o sono da natureza, esperando a hora. O milagre deve ter se realizado à noite, quando todos dormiam e o mundo deixava de ser governado pelos homens. Na véspera, eu olhara para o gramado. De longe, nem dava para ver os botões.
Agora, são dois pontos luminosos na manhã de outono, um outono cruel, parte dois de um verão truculento como esses filmes que se numeram como os reis e os papas. Não importa. Em algum tempo na memória da natureza, ficou estabelecido que elas explodiriam no início do outono, com sua cor meio desbotada, solitárias no meio de prédios e carros, sufocadas pelo calor e pelo excesso de luz.
Não são macias e muito menos aveludadas como as rosas cantadas pelos poetas. Estão ali porque, apesar das aparências, o verão acabou e, se não acabou, a culpa não é delas.
Não há um jardineiro para domesticá-las, obrigando-as a nascer e viver no tempo certo. Insistem em serem rosas: rosas apenas. Rosas tristes, rosas de outono.

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