São Paulo, domingo, 7 de abril de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Que susto!

ANTONIO ERMÍRIO DE MORAES

Você tem muitas notas de US$ 100? A essa altura penso que os meus leitores já sabem que o governo dos Estados Unidos decidiu trocar todas as cédulas daquele valor para evitar falsificações.
Recebi um telefonema da d. Joaninha. Já no nosso tempo de escola ela colecionava dólares. Naquela época eram notas de US$ 1 e US$ 2 -esta, raríssima. Com o passar dos anos ela foi evoluindo para notas maiores.
Não me disse quanto tem, mas, pela preocupação demonstrada, suspeito que seja uma boa bolada.
Tentei especular, mas, astuta como sempre, a Joaninha desconversou. Fiquei sabendo, apenas, que ela guarda a sua fortuna num cofre da família, no apartamento da sua irmã mais nova, por julgar ser mais seguro... Santa ingenuidade!
O que ela queria saber mesmo é se as suas notas de cem iam valer no futuro. Sim, porque apesar de seus quase 70 anos a Joaninha guarda dinheiro para "gozar na velhice" (sic).
Tranquilizei-a com o que li na imprensa, pois o governo americano declarou não ter intenção de retirar de circulação, imediatamente, as velhas notas.
Nesse ponto da conversa, instalou-se a hora da saudade. A Joaninha e eu somos do tempo do mil réis. Tentamos fazer uns testes de memória. Ela se lembrou que o mil réis passou para cruzeiro em 1942. Lembrou-se ainda que, em 1964, o cruzeiro perdeu os centavos. O cruzeiro novo foi lançado em 1967.
Daí para frente a nossa memória foi falhando porque, apesar dos anos serem mais recentes, as mudanças foram muito mais frequentes.
Em 1970, voltou o velho cruzeiro. Cambaleando, o cruzeiro arrastou-se por mais de dez anos. Largou os centavos em 1984 e virou cruzado em 1986.
Daí para frente as mudanças foram meteóricas. Implodido o Plano Cruzado, a moeda passou para cruzado novo em 1989. Durou pouquíssimo.
Em 1990, voltou a cruzeiro. Em 1993 passou para cruzeiro real e em 1994 transformou-se no atual real.
Até que Joaninha tem suas razões para poupar numa moeda um pouco mais estável do que a brasileira. O dólar, pela primeira vez em 70 anos, acaba de mudar de estampa -sem perder, entretanto, nenhum zero. A nossa moeda mudou dez vezes em pouco mais de 50 anos e perdeu 12 zeros.
O dólar fascina a Joaninha. Ela gosta de moedas que não perdem zeros. E quem não gosta?
É isso que está acontecendo agora com o nosso real. Há 20 meses, convivemos com uma moeda forte. Para o progresso das nações é preciso que essa estabilidade se aguente por 20 anos, o que é fundamental para incentivar a poupança, o investimento e o crescimento.
Esse é o nosso desafio. O Brasil precisa apagar de uma vez por todas a sua melancólica história de uma moeda sublimante -que passava do estado sólido para o gasoso sem passar pelo líquido com a maior facilidade.
A consolidação do Plano Real é da mais absoluta importância para o futuro do país e das próximas gerações. Hoje, essa consolidação depende essencialmente dos nossos parlamentares em Brasília. É triste ver o Congresso Nacional protelando a sua aprovação.
Ora é o fim do ano; ora é o Carnaval; agora é a Semana Santa. Basta! Está na hora de trabalhar firme e fazer o que deve ser feito de uma vez por todas. Só assim a Joaninha se decidirá a poupar em moeda nacional...

Texto Anterior: Rosas do outono
Próximo Texto: Transpondo o oceano
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.