São Paulo, domingo, 7 de abril de 1996
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"Mininovela é produto de luxo"

GILBERTO DE ABREU
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Para Dias Gomes, autor de "O Fim do Mundo", a novela tradicional jamais será substituída pela mini por razões comerciais.
O autor admite, porém, que a Rede Globo pode estar investindo no novo gênero, já que o convidou para fazer outra adaptação, "Dona Flor e Seus Dois Maridos", uma das próximas mininovelas.
Nesta entrevista concedida à Folha, Dias Gomes revela que cuida, ainda, da versão teatral de "Roque Santeiro", que estréia em outubro, no Rio, tendo como protagonistas o cantor Sidney Magal e a divertida Cláudia Gimenez, no corpo da Viúva Porcina.
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Folha - Comenta-se que a trama de "O Fim do Mundo" pode suscitar algumas polêmicas. Pode?
Dias Gomes - Não sei. Não escrevo para polemizar. Mas quando isso acontece (e quase sempre acontece) é bom, porque a polêmica leva à reflexão. Chato é quando seu trabalho não é discutido, mesmo quando é bom e aceito. Porque é tão inócuo agradar a todos quanto não agradar a ninguém. Bom é dividir opiniões.
Folha - A mudança no horário de exibição de "O Fim do Mundo" (que iria ao ar às 22h30) o obrigou a alterar o material já produzido?
Dias Gomes - No meu texto, não mudei uma vírgula. Quanto à direção, não sei responder.
Folha - O senhor gostaria de ter na mininovela algum ator ou atriz que não foi escalado?
Dias Gomes - Gostaria de ter no elenco Paulo Gracindo, mas ele nos deixou. Faz uma grande falta. Quanto aos demais, foram escolhidos em comum acordo por mim e pela direção da Rede Globo. Parece-me que escolhemos os atores certos para os papéis certos.
Folha - Descreva os principais personagens da história.
Dias Gomes - Essa é uma história onde não há heróis nem vilões. Também não existe um protagonista, existem vários. Tião Socó e Idásio Junqueira são grandes plantadores de fumo, os homens mais poderosos da região.
Mas não entram em choque. Ao contrário, sonham em unir suas famílias para aumentar seu poder. A grande antagonista é Florisbela Mendonça, prefeita da cidade e inimiga dos Junqueira. Mas a ação é deflagrada mesmo pela profecia de Joãozinho de Dagmar e suas consequências.
Folha - Maria Aparecida Baccega, professora da Universidade de São Paulo, diz que as telenovelas estão sempre um passo à frente da sociedade, uma vez que vão além dos limites morais das pessoas. O senhor concorda?
Dias Gomes - Não sou dos que acreditam que a televisão faz a cabeça das pessoas. Acho que as pessoas é que fazem a cabeça da televisão. Se alguma novela vai além dos limites morais de comportamento, é porque esses limites já foram ultrapassados por, pelo menos, uma boa parcela da sociedade. E é fácil entender. A televisão, digo a televisão comercial, é feita para conquistar a maior platéia possível e não para chocá-la. Logo, é a platéia quem dita as normas.
Folha - O ator Miguel Falabella acaba de ter uma sinopse aprovada pela Globo. O que o senhor acha do surgimento de um novo autor televisivo?
Dias Gomes - O surgimento de novos novelistas é essencial para a renovação do gênero que, no meu entender, estacionou nos anos 80. Aliás, a estagnação no campo artístico é geral, em todos os gêneros, todas as artes, em todo o mundo.
Folha - A mininovela seria uma solução para combater essa estagnação?
Dias Gomes - É uma alternativa. A mininovela é vista pela Globo como um produto de luxo, que dá prestígio. Pode ser que queiram implantar esse novo formato. Afinal, já me encomendaram outra produção.
Estou começando a trabalhar numa adaptação televisiva do romance "Dona Flor e Seus Dois Maridos", de Jorge Amado, no mesmo formato de "O Fim do Mundo", isto é, em uns 40 capítulos.
Folha - O senhor acredita que, a longo prazo, as mininovelas substituirão as novelas de 180 capítulos?
Dias Gomes - A novela jamais desaparecerá. Afinal, é ela que estriba a programação da emissora. Segundo a Globo, a mininovela rende muito pouco.
Folha - Como o senhor analisa o atual momento da telenovela brasileira? Outras emissoras, como a Bandeirantes e o SBT, também estão investindo muito nesse segmento.
Dias Gomes - A motivação é comercial. O objetivo, vamos ser claros, é a conquista de mais pontos no Ibope e de mais lucro. A telenovela é, talvez, o produto mais lucrativo da TV. Não é à toa que a Globo tem nela a sua viga mestra. Dito isso, ótimo.
Amplia-se o campo de trabalho para autores, atores e diretores. Quem sabe, a concorrência leve à ampliação do horizonte da novela e ajude a tirá-la do marasmo em que se encontra.
Folha - A atriz Paloma Duarte fará o seu primeiro nu na televisão em "O Fim do Mundo". O fato gerou convites para ela posar na revista "Playboy". O que o senhor acha do diálogo entre os dois veículos?
Dias Gomes - Não é de hoje que os órgãos de imprensa procuram capitalizar os eventos da TV. E vice-versa. Diria que existe hoje uma interação entre os diversos canais de informação e espetáculo. Essa interação, que acontece também em outros setores, é uma característica do nosso tempo.
Folha - A novela, um dos principais produtos culturais brasileiros, é invariavelmente associada ao público feminino. O que o senhor acha disso?
Dias Gomes - Em primeiro lugar, essa associação revela um duplo preconceito: contra a novela e contra a mulher. É uma visão machista. Não tenho em mãos nenhuma estatística, mas acho provável que a maior parte do público das novelas seja feminino. Também a maior parte da população do país o é.
Admito, sim, que a maioria das novelas é incapaz de interessar o público masculino. Mas poderia citar vários casos em que a percentagem de homens era tão significativa quanto a de mulheres. Sem a devida modéstia, citaria dois trabalhos meus, "O Bem-Amado" e "Roque Santeiro".
Folha - Quais os seus próximos projetos?
Dias Gomes - Nunca penso no futuro senão como coisa imediata. Na minha idade, não estou mais em condições de pensar de outro modo. Além da segunda mininovela, estou envolvido também com um projeto teatral, a encenação de "O Berço do Herói", peça que foi proibida pelos governos militares e que levei para a TV com o título de "Roque Santeiro". Em razão dessa proibição, a peça é inédita no Brasil, embora já tenha sido encenada no exterior.
Folha - Quando deve estrear?
Dias Gomes - No dia 1º de outubro, no Teatro João Caetano, no Rio. A direção é de Bibi Ferreira. Os cenários são de José Dias. E as músicas, de Caetano Veloso, Dominguinhos, Sá e Guarabira. No elenco, estão Cláudia Gimenez (Viúva Porcina), Agildo Ribeiro (Sinhozinho Malta) e Sidney Magal (Roque Santeiro). É um espetáculo que vai envolver mais de 70 pessoas. É um épico, com muita música e muito humor.

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