São Paulo, domingo, 7 de abril de 1996
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Respostas perigosas

DALMO MAGNO DEFENSOR
ESPECIAL PARA A FOLHA

Ao ouvir falar do concurso que elege "a pantera do ano", imagina-se que este seja realizado em um santuário ecológico, visando a atrair adesões à causa preservacionista. E que a vencedora, um felino belo e feroz ameaçado de extinção, tenha sua foto estampada em calendários de papel reciclado, vendidos a preço simbólico por uma ONG.
Nada disso. O concurso acontece na cidade, em uma casa noturna, e as concorrentes são moças pacatas e muito longe da extinção, que usam biquínis estampados em padrão onça.
Elas engatinham pelo palco, imitando rugidos e ameaçando a platéia com garras invisíveis. Vence aquela que melhor impressiona os olhos e hormônios do júri.
Certa vez, em um desses espantosos eventos, um repórter de TV sem assunto perguntou a uma "panterável" qual era seu livro favorito. Ela não hesitou: "O Pequeno Príncipe." Ele perguntou por quê. Ela sorriu: "Por causa da mensagem."
"Agora ele vai perguntar dos hobbies", deve ter pensado a moça, satisfeita por ter dado irrefutável prova de sensibilidade. Afinal, até quem não leu "O Pequeno Príncipe" sabe que a mensagem do livro, qualquer que seja, é linda.
Acontece que o repórter, qual a Ione de "Explode Coração", andava à caça da reportagem que iria transformar sua carreira; ou, então, era das poucas pessoas que não foram obrigadas a ler "O Pequeno Príncipe" no colégio.
O fato é que ele quis se aprofundar no assunto: "E qual é a mensagem do livro?"
Pega de surpresa, a candidata refletiu durante alguns segundos, deu um sensual sorriso amarelo e se rendeu: "Olha, não me lembro no momento..."
Felizmente para a maioria dos entrevistados, fazer média costuma dar certo. O cantor diz "é um prazer estar de novo com você e com esse auditório maravilhoso", e é aplaudido. A autoridade promete uma investigação rigorosa e recebe elogios pela firmeza. Ninguém lhe pergunta se isso significa que normalmente os investigadores não se esforçam...
Na dança de salão, a mulher se deixa levar pelo parceiro por comodismo e instinto de preservação (dos pés); o convidado do talk show age igualmente em relação ao entrevistador.
Em compensação, as exceções podem dar canseira até em macacos velhos como Jô Soares, que certa vez entregou os pontos: "Estivemos aqui com o poeta Wally Salomão, que entrevistou a si mesmo ..."
O cantor Carlinhos Brown também se rebelou no "Onze e Meia". Não quis falar sobre seu namoro com Helena, filha de Chico Buarque e Marieta Severo, alegando que o assunto não era de interesse público.
Jô insistiu, argumentando que era natural a curiosidade das pessoas, sendo Brown um compositor em evidência e Helena, filha de celebridades. Irredutível, Brown rematou: "E daí, hôme?"
A mais recente vítima de entrevistados ariscos foi Marina Moraes, repórter do SBT, durante a transmissão da entrega do Oscar.
Perguntado se as crianças que o acompanhavam eram seus filhos, o ator Richard Dreyfuss ironizou: "Não, eu os conheci na rua esta noite." Marina não escapou nem da âncora Marília Gabriela: "Marina, desculpe a risada, mas você mereceu essa!"
Marina também foi gozada por ter usado a tradução literal "indication" em vez do correto "nomination", quando se referia a "indicação" (para o Oscar).
Dentro do mais genuíno espírito de Polyanna, penso que podia ter sido pior. Imagino se Dreyfuss estivesse com a cara-metade: a repórter poderia ter lhe perguntado se era sua "expensive half"...

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