São Paulo, quarta-feira, 10 de abril de 1996
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Aposentadoria precoce, pelo anti-social

MARIO CESAR FLORES

A hipótese de reformulação do modelo de aposentadorias privilegiadas, ora sob a responsabilidade da Câmara dos Deputados, trouxe à discussão da sociedade um aspecto moralmente discutível da nossa indulgente "cultura da vantagem", incubadora de privilégios anti-sociais.
O que vem a ser a aposentadoria? No mundo inteiro ela é a retribuição social pelo trabalho desenvolvido ao longo de muitos anos, constituída pelo descanso remunerado na última etapa da vida, geralmente afetada pelas deficiências humanas inerentes à idade.
Fora desse conceito só são entendidas como justas as aposentadorias especiais das profissões insalubres e as decorrentes de doença ou invalidez.
Ora, a ser correto o conceito mundial, o que leva o brasileiro à opção pela aposentadoria precoce em plena idade produtiva (entre os 40 e 50 anos) e em pleno gozo de saúde, ao amparo de uma legislação formulada sob a influência do acicate eleitoral e do poder das corporações interessadas, que confere esse privilégio a algumas categorias profissionais e principalmente ao serviço público, à custa da grande massa do povo que o paga sem usufruir de igual "direito"? Em princípio, duas razões:
1) O desejo puro e simples de nada fazer (incompreensível para o autor deste artigo, que passou à reserva da Marinha aos 43 anos de serviço, por força da lei), razão anti-social porque afasta pessoas capazes do trabalho de que o país precisa para construir uma sociedade próspera -transformando-as em carga para o povo, geralmente pesada (proventos médios e altos) e longa porque é comumente longa a perspectiva de vida dos que se enquadram no privilégio;
2) O desejo de se aposentar e continuar a trabalhar, por vezes na mesma atividade ou para o mesmo empregador, para acumular um segundo salário e aposentadoria, razão também anti-social porque:
1º) é incoerente com o motivo básico do instituto da aposentadoria, o descanso remunerado após uma longa vida de trabalho, cuja desnecessidade (naquela ocasião) é evidenciada pela continuação em atividade e 2º) porque reduz as oportunidades de emprego para os mais jovens (compreensível quando a continuação em atividade ocorre, pois não é usado o privilégio).
A aposentadoria precoce afronta a grande massa excluída do privilégio, mantida até recentemente na ignorância do assunto, que pouco seduz os jornalistas, membros do clube.
Praticada sob tolerância permissiva, ela gera verdadeiros escárnios anti-sociais como, por exemplo, o caso do magistério, sobre o qual o STF acaba de usar seu "freio de mão": a lei assegura aos professores a aposentadoria mais cedo no pressuposto do desgaste inerente à sala de aula, mas seria correto aplicar (como vinha sendo aplicada) essa vantagem aos "professores" (?) em funções administrativas e de apoio?
O respeito aos princípios de direito do Estado democrático faz com que seja juridicamente difícil impedir a aposentadoria precoce de quem já tem direito (?) a ela, mas é dever do Congresso sustar sua continuidade indefinida e criar dificuldades ao seu usufruto.
No caso do serviço público, proibindo a acumulação (benefício do INSS + provento público a qualquer título ou aposentadoria pública), como parece ser o desejo de lideranças sindicais e de políticos com coragem para desafiar os setores corporativos privilegiados.
Em suma: ao aposentado aos 45 anos de idade, os votos da sociedade de que goze uma longa vida de descanso (mesmo que, como é provável, não tenha cansado), mas se pretende o segundo salário e a segunda aposentadoria, não deve buscá-los na área pública.
Isso não impedirá a aposentadoria pelo desejo de nada fazer, mas fará pensar os que pretendem apenas "levar a vantagem" da acumulação usando um direito não-justificado por cansaço, saúde ou idade, caro para o povo dele excluído, que o paga.

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