São Paulo, sexta-feira, 12 de abril de 1996
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Gasolina x álcool: postura de avestruz

ALFRED SZWARC; NELSON NEFUSSI

ALFRED SZWARC e NELSON NEFUSSI
Em artigo publicado pela Folha em 1º de março último, o engenheiro José Conrado de Souza, da Associação dos Engenheiros da Petrobrás, insiste em não querer reconhecer que o potencial poluidor do álcool combustível é menor que o da gasolina.
Nada contra convicções pessoais ou defesa dos interesses corporativistas da Petrobrás. Entretanto, nada é melhor que fatos para o esclarecimento da opinião pública.
1. O álcool foi classificado pelo governo dos EUA como "combustível limpo" e a gasolina não mereceu essa classificação. Por que será? Para obter o mesmo tratamento, a gasolina precisa passar por uma "reformulação", para diminuir seu potencial poluidor.
É verdade que isso é possível e já existem algumas gasolinas "reformuladas" no mercado americano, mas daí a imaginar que a gasolina brasileira já chegou a esse nível é forçar o bom senso.
2. Ao contrário da gasolina nacional, o álcool não contém enxofre. Além de ser fonte de poluição, o enxofre diminui a vida útil dos catalisadores instalados nos veículos para combater a poluição.
Também deve-se ao enxofre o cheiro de "ovo podre" emitido por veículos desregulados equipados com esse sistema antipoluição.
Vale dizer que a tecnologia do catalisador, utilizada internacionalmente, só foi viável no Brasil devido à adição de álcool na gasolina, para diminuir o seu alto teor de enxofre.
3. Matéria publicada no jornal "O Estado de S.Paulo" de 17/3/96 informa que um dos principais fatores para a quebra prematura dos motores BMW V8, que equipam os veículos das séries 5 e 7 dessa marca, é o elevado teor de enxofre da gasolina nacional, que ataca a liga de níquel e silício usada na fabricação dos blocos do motor.
4. A adição de álcool à gasolina facilitou a eliminação dos aditivos tóxicos à base de chumbo, sem que houvesse a necessidade de aumentar o teor de substâncias perigosas, como o benzeno e outros aromáticos, para compensar a perda da octanagem.
5. Os compostos orgânicos resultadas da queima da gasolina (hidrocarbonetos, aldeídos etc.) são muito mais agressivos à saúde e ao meio ambiente do que os produzidos pela queima do álcool (há dezenas de publicações sobre o tema que corroboram nossa afirmativa, sr. José).
6. Em caso de derramamentos acidentais em corpos de água, o álcool é muito menos poluente do que a gasolina, devido à sua biodegradabilidade.
7. Por ser originário da biomassa, o álcool não contribui para o "efeito estufa", ao contrário do que ocorre com a gasolina.
8. Se for verdade que para cada três litros de álcool produzido gasta-se um litro de diesel no transporte da cana, como afirmado pelo sr. José, teríamos que, infelizmente, agregar ao ciclo de produção do álcool a poluição causada pelo óleo diesel. Entretanto, se esse transporte fosse feito por veículos movidos a álcool, essa poluição seria, sem dúvida, bem menor.
Finalmente, lembramos que a destilação do petróleo também consome considerável quantidade de energia e que o ciclo de produção da gasolina, desde a prospecção de petróleo até o uso final do combustível, é um grande foco de poluição ambiental, sendo os desastrosos derramamentos de petróleo o lado visível desse ciclo.

Alfred Szwarc, 44, é mestre em controle da poluição ambiental e diretor de Engenharia Ambiental da Cetesb. Nelson Nefussi, 56, é mestre em higiene industrial e poluição do ar e diretor-presidente da Cetesb.

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