São Paulo, segunda-feira, 15 de abril de 1996
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Ela come qualquer um

JOSUÉ MACHADO

É sempre estimulante ver e ouvir o porta-voz Sérgio Amaral, do presidente da República, portanto a voz. O entusiasmo, a vibração, o ar alerta com que o diplomata porta a viva voz de FHC aumenta nossa vontade de viver, de acreditar no governo e nos homens que cuidam tão bem de nossos destinos. Cuidam tão bem que querem cuidar por mais tempo.
Pois o porta-voz disse assim num dia destes sobre o tema da reeleição:
"O presidente não estimula qualquer iniciativa nesse sentido; é assunto do Congresso Nacional".
Depois:
"O presidente considera inoportuna qualquer discussão sobre o assunto".
Se queria dizer que o presidente rejeitava a idéia de reeleição, deveria ter dito que ele não estimulava "nenhuma" iniciativa blá, blá, blá...
Na outra frase, diria bem que o presidente considera inoportunas ou inconvenientes ou tolas ou cafajestes ou golpistas discussões sobre reeleição e que ele de jeito nenhum aceitaria mudar as regras, como fizera Sarney para conseguir mais um aninho de mandato.
Isso foi antes da pauleira entre os dois lados, da ameaça de CPI e dos lances da limpa luta na liça do Congresso. Agora parece já aceitar o sacrifício da reeleição e até estimula o assunto a contragosto. Se é para o bem de quase todos...
O fato é que o diplomático diplomata parecia estar tentando dizer sinceramente que o presidente dissera sinceramente não querer papo nenhum sobre reeleição. Sinceramente. Mas, quando disse que o presidente não queria "qualquer" iniciativa, acabou dizendo que queria, isso sim, alguma iniciativa, não importa qual, porque "qualquer" não significa "nenhum/nenhuma"; "qualquer" não tem valor negativo, não nega; indetermina sem negar; deixa portinholas abertas. Ele queria, portanto, uma iniciativa singular, específica, como ficou claro depois.
"Qualquer" tem sido nos últimos 500 anos pronome e adjetivo indefinido. Designa coisa, lugar ou indivíduo indeterminado. É formado por "qual" + "quer", do verbo querer. Convém lembrar que essa é a única palavra de nossa bem-tratada língua cujo plural se faz com a introdução de um "s" bem no meio dela: quaisquer.
"Qualquer" tem valor de um, algum; todo, cada; este, aquele, alguém, e vale também para o feminino. Como percebe qualquer grande líder do governo na Câmara, não há nada de negativo no sentido de qualquer.
"Isso não é coisa para qualquer presidente; é para um específico."
"Ela come qualquer fruto que lhe apareça à frente." (Tem estômago de avestruz a danada; não seleciona.)
"Apesar do cargo, ele faz lobby pelo Sivam a qualquer custo."
"Aquele partido democrático não quer qualquer ministério; quer um com verbas bem gordinhas para fazer o bem sem ver a quem."
"Ele rejeita a reeleição a qualquer custo."
"Não quero qualquer garoto; quero aquele!", disse o astro internacional batendo os pezinhos.
"O eterno candidato não se contenta com qualquer cargo; prefere uma função executiva, de prefeito a presidente."
Por que não?

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