São Paulo, terça-feira, 16 de abril de 1996
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Cuba faz 'mapa' das relações sexuais

AURELIANO BIANCARELLI
ENVIADO ESPECIAL AO RIO

Um sistema de procura dos portadores do vírus da Aids está causando um recuo da epidemia em Cuba. Soropositivos e doentes são convidados a revelar o nome dos parceiros sexuais, que por sua vez são procurados e entrevistados.
O governo cubano chama o programa de "Sistema de Referência e Informação". Os críticos vêem na prática uma invasão da vida privada das pessoas. O fato é que os números da doença são baixíssimos e estão caindo ainda mais.
Desde o início da epidemia, 473 pessoas adoeceram, e dessas 306 já morreram. Quando se compara com Brasil, a incidência na ilha é 15 vezes menor -aqui são 77 mil casos notificados. A diferença é que Cuba optou por trabalhar com os soropositivos -aqueles que têm o HIV, mas ainda não estão doentes. Eles seriam 759.
No Brasil, como em quase todos os países do mundo, os portadores do vírus não são notificados. Estima-se em mais de 500 mil brasileiros o número de infectados.
Em Cuba, 79 pessoas foram notificadas como portadoras ou doentes em 1995, número inferior ao registrado em 1987 e duas vezes menor do que os casos de 1990.
A experiência de Cuba -onde o coletivo é mais importante que o individual- foi relatada no encontro internacional sobre "gênero, sexualidade e saúde", promovido pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro.
A abertura política foi apontada com um dos principais empecilhos ao programa. Ela trouxe um aumento do turismo sexual.
/30\>Cortar propagação
Para os médicos cubanos presentes, o atendimento ao doentes e o controle da doença são mais importantes do que o anonimato ou possíveis quebras de liberdades individuais.
"Ao se fazer prevenção com os soropositivos, nós cortamos a cadeia de propagação da doença", diz Jorge Pérez Ávila, 50, diretor do hospital do Instituto de Medicina Tropical e do sanatório Las Vegas, em Havana.
O sistema inclui uma rede de 13 sanatórios que até 1989 impunham internações para doentes e soropositivos.
A partir dessa data, o soropositivo ou doente pode optar entre a internação e o tratamento em hospital-dia.
"Começando o tratamento mais cedo, a sobrevida será maior", diz Juan Carlos de la Concepción, médico cubano que faz doutorado no Brasil. Segundo ele, não há internações forçadas nem invasão de privacidade.
"O Estado garante o atendimento médico, o cidadão conserva seus direitos, seu salário e não sofre discriminação."
A sobrevida de um cubano com Aids -a partir do momento em que cai doente- é de 24 meses, duas vezes a média brasileira.
Concepción, que estuda no Rio, diz que homossexuais e doentes de Aids são mais discriminados no Brasil do que em Cuba. Ele relata o caso de um médico que revelou pela TV cubana ser homossexual e portador do vírus. "Quando esse médico chegou ao bairro dele, a população o recebeu com festa."

O jornalista Aureliano Biancarelli viajou a convite do Instituto de Medicina Social da Uerj (Universidade Estadual do Rio de Janeiro) e fundações Ford e McArthur.

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