São Paulo, quinta-feira, 18 de abril de 1996
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O novo papel do Cade

LUÍS NASSIF

Devido à alta qualidade dos debates, o seminário "A Defesa da Ordem Econômica" -promovido pelo Instituto Roberto Simonsen, da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp)- mereceria uma transcrição ampla na imprensa.
O seminário visava discutir o papel do Conselho Administrativo de Direito Econômico (Cade) no âmbito de uma economia globalizada.
Há duas linhas principais de discussão, acerca do papel do Cade.
A primeira -defendida pelo Ministério da Justiça- é a de que o Cade deveria tratar apenas de contenciosos -litígios em cima de fatos concretos.
Dentro dessa linha, não caberia ao órgão apreciar processos de fusões, mesmo que levassem ao comprometimento do ambiente competitivo.
Só se manifestaria se houvesse prova concreta de abuso de poder econômico, caracterizando o chamado ilícito.
Essa posição parte da visão de que o processo de globalização é basicamente concentrador, e não pode ser obstado por posturas preventivas de defesa da concorrência.
Direitos difusos
A outra linha de argumentação é a de que cabe ao Cade atuar preventivamente para preservar a a competição na economia.
Ilícitos é caso da Justiça comum, não de um órgão de defesa da concorrência.
Como bem analisou o economista Mário Possas, a defesa da concorrência prende-se ao campo dos direitos difusos da sociedade.
Não precisa haver um prejudicado na outra ponta. Comprometendo-se o ambiente concorrencial, perde o país como um todo.
A economista Elizabeth Farina lembrou os estudos clássicos de Michael Porter, que constatou que o ambiente competitivo é fundamental para a garantia da inovação dos produtos -e, portanto, da manutenção da capacidade competitiva do país.
Por esta razão, cabe ao Cade ser instrumento efetivo de política econômica, ajudando a prevenir distorções do processo de globalização.
A proposta do Ministério da Justiça -embora feita em nome pessoal pelo secretário de Direito Econômico, Wander Chaves Bastos- na aparência liberalizante, no fundo, é um retorno ao velho vezo dos controles administrativos e das decisões individuais.
Colegiados
Bastos separa o tema em dois:
Primeiro, a infração propriamente dita, que seria preocupação de Estado
Segundo, práticas comerciais e industriais, que seriam objeto de preocupação de governos (ou seja, do secretário de Direito Econômico, indicado pelo ministro da Justiça de plantão).
Caberia à SDE opinar sobre processos de fusão -mas não impedi-los.
Caso configurasse concentração, poderia negociar metas e compromissos de longo prazo.
Num país de escassa tradição institucional, quem zelaria pelo fiel cumprimento do acordo firmado?
E, se a meta é a institucionalização do setor, como conferir esse poder a pessoas que ocupam momentaneamente cargos no Ministério?
Decisão institucionalizada é decisão colegiada.
Por tudo isso, o ideal seria o Cade analisar processos de fusão dentro do objetivo de prevenir, com as linhas mestras de política industrial definidas por um órgão colegiado, composto por representantes dos diversos órgãos que fazem política industrial, e que tenham presença permanente na máquina pública.
Algo que permita a continuidade no tempo, independentemente de governos.
Surpresa
O bom nível e o bom senso do novo presidente do Cade, Gesner de Oliveira, já são conhecidos. A surpresa foi a rapidez com que se inteirou de tema tão complexo, e a clareza com que expôs a nova filosofia do órgão.

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