São Paulo, quinta-feira, 18 de abril de 1996
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Dicionário ilustrado de gestos decifra italiano

DAVID DREW ZINGG
EM ROMA

"Veni, vidi, vici!"
"Vim, vi, venci!"
Era isso que os imperadores de Roma antiga exclamavam quando acrescentavam mais uma nação à longa lista de suas aquisições. Agora é tio Dave quem repete o velho grito de guerra ao adentrar, vitorioso, essa cidade gloriosa que já foi o centro do próprio mundo ocidental.
Faz pouco tempo desde que estive aqui pela última vez. Foi logo depois do final da 2ª Guerra Mundial, e a memória tragicômica das poses de Mussolini ainda estava presente no ar onde sua carreira chegou a um final tão abrupto, no norte da Itália.
Desta vez estou em companhia de uma jovem estudante de filosofia de Oxford. Ela passou o cinzento inverno britânico lendo as obras de grandes pensadores gregos e romanos, mortos há muito tempo, que escreviam sobre o dilema humano nos tempos em que Roma era tão nova quanto Brasília, e igualmente perfumada com o odor onipresente das negociatas políticas.
Minha amiga é inteligente e está trabalhando duro, fazendo horas extras na tentativa de fazer do italiano mais uma das línguas que domina. Antes de engajar-se em batalhas verbais ela se arma de seu livrinho de expressões idiomáticas em italiano, e parece estar vencendo suas escaramuças com os romanos agitados, gesticuladores.
O problema é que para comunicar-se efetivamente aqui na Itália é preciso aprender muito mais do que o vocabulário e a gramática. O italiano é uma língua iluminada e pontuada pelos gestos.
Essa taquigrafia silenciosa parece ser passada de pai para filho, de mãe para filha, como uma espécie de código genético embutido nas pessoas. Parece ser transmitido juntamente com a cor dos olhos e as formas curvilíneas (no caso dela) do corpo.
Tá legal, então você já notou aqueles italianos andando por aí agitando os braços, mas você simplesmente supôs que fosse um novo tipo de aula de aeróbica sendo conduzida ao ar livre no meio da "via".
Agora, quando você observa aqueles "ragazzi" empertigados trocando sinaizinhos sugestivos à sua volta, você começa a perceber que alguma coisa secreta e profundamente importante está rolando e que você não está entendendo o que é.
Felizmente tio Dave encontrou um livro feito sob encomenda para sua amiga estudiosa. Trata-se do primeiro, e recém-lançado, dicionário ilustrado de gestos italianos.
Curiosamente, o livro se chama "Il Dizionario dei Gesti Italiani", e foi compilado por um especialista no assunto: Bruno Munari, de 89 anos.
Recomendei a minha amiga estudiosa muito cuidado com esse livro. Se ela cometer algum erro com palavras, seu sotaque trairá sua origem e ela será perdoada, por ser apenas mais uma estrangeira burra. Mas se usar o gesto errado e com isso der a entender que o motorista do ônibus é um idiota ou que a mulher do garçom não é flor que se cheire, correrá o risco de ofender a outra pessoa.
Outra coisa a levar em conta é que minha amiga filósofa tem pavio curto e apresenta a tendência a fazer uso de um gesto brasileiro amigável que envolve o uso um tanto quanto provocante de um dedo.
Se utilizado na hora errada, aqui na Itália onde todos têm pavio curto, essa nova e arriscada pictolinguagem tridimensional pode acabar lhe rendendo um hematoma no olho.
As eleições se aproximam, e com elas algumas maneiras novas de dizer as mesmas e velhas coisas de sempre.
"Il nuovo che avanza": O novo avança. Ou melhor, deveria, mas na Itália o novo se parece exatamente com o velho: ganancioso, caótico e falador. Será que já ouvimos isso antes??
"Se vogliamo che tutto rimanga comé bisogne che tutto cambi": Se queremos que tudo fique igual, temos que mudar tudo. Como comentário imortal sobre o romance "O Leopardo", que trata da unificação italiana, foi fantástico; como comentário sobre o atual processo político italiano, é inigualável.

Tradução de Clara Allain

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