São Paulo, quinta-feira, 18 de abril de 1996
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Caixa de 25 CDs resume obra de Brendel

ARTHUR NESTROVSKI
ESPECIAL PARA A FOLHA

Em dezembro de 1993, Alfred Brendel foi eleito membro honorário do Templo Interno do Pátio da Corte, em Londres, uma honraria que os juristas ingleses só conferem em raríssimos casos. Em seu discurso de agradecimento, fez um lista das razões pelas quais, a seu ver, não deveria ter sido eleito.
"Não venho de uma família intelectual ou artística. Não sou do leste da Europa. Não sou, até onde eu saiba, judeu. Não fui menino-prodígio. Não tenho memória fotográfica, nem toco mais rápido do que os outros. Não leio muito bem à primeira vista. Preciso de oito horas de sono por noite. Só cancelo concertos quando estou doente mesmo, não por princípio. Minha carreira foi tão gradual que eu às vezes tenho a sensação de que alguma coisa está errada, seja comigo ou com os outros. Quando e como aprendi todas essas peças que já toquei, enquanto ia cumprindo meu papel de marido e pai não exatamente perfeito, é algo que eu não consigo explicar."
Brilhante e modesto de uma vez só, sem se levar a sério demais, mas fazendo disso mesmo uma arte da maior seriedade, o auto-retrato é uma expressão concisa do estilo de Brendel.
Nascido na Áustria em 1931, ele é um "scholar" entre os pianistas. Em plena atividade aos 65 anos, Brendel completa em breve a gravação do terceiro ciclo completo de sonatas de Beethoven e lança sua interpretação do "Concerto" de Schoenberg. É um pianista excêntrico, no centro da música.
A Philips lança agora uma caixa com 25 CDs, reunindo suas melhores gravações. São cinco volumes de cinco discos cada, organizados por compositor: Haydn e Mozart, Beethoven, Schubert, Liszt, Brahms e Schumann. Mais de trinta horas de música, pelo preço de duas camisas e um terno. Os volumes, graças a Deus, também são vendidos em separado.
Sua habilidade digital só é comparável à dos maiores malabaristas. Seus "Concertos" de Mozart são façanhas de ironia e leveza, com escalas e bordaduras espetacularmente bem-articuladas; os de Beethoven são sequências teatrais, num grande palco; e os de Liszt, uma descida aos infernos, com o poeta Byron de um lado e Chateaubriand do outro.
Só o gosto pessoal pode escolher entre os volumes de Beethoven e Schubert. Seu Schumann é menos atraente: falta romper a barreira das próprias ironias.
Tudo somado, é uma grande lição de música, por um dos pianistas mais saudáveis do século. Ele é civilizado demais, talvez, para ser o favorito de qualquer um; mas nunca conheci quem não gostasse dele.

Caixa: The Art of Alfred Brendel (25 CDs)
Com: Alfred Brendel
Lançamento: Philips

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