São Paulo, quinta-feira, 18 de abril de 1996
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Ashkenazy dá lição de sinfonismo

JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL

Nenhuma orquestra sinfônica passa incólume pelas mãos de maestros como Haiting, Giulini, Slatkin ou Solti. E nenhuma deixaria tampouco de refletir um critério de seleção pelo qual os titulares disputam anualmente suas vagas com concorrentes externos.
É esse -todo esse- o segredo dos 114 instrumentistas da Orquestra Jovem da União Européia, que, anteontem, sob a regência de Vladimir Ashkenazy, fez sua apresentação única em São Paulo, no Teatro Municipal.
A sonoridade produzida por esses músicos de no máximo 27 anos é cristalina em seu virtuosismo, sem nenhum dos vícios do acomodamento burocrático.
As três peças inscritas no programa tinham como dupla característica a digestibilidade da harmonia e uma complexidade orquestral que levava ao revezamento, na condição de solistas, de todos os naipes de instrumentos.
Não havia em momento algum uma supremacia das cordas, que transportam a linha melódica na tradição da escrita orquestral desde o final do século 18.
Era um risco. Se uma das seis trompas falhasse, se o mesmo ocorresse com uma única das quatro flautas ou com uma das 14 violas, a sonoridade de conjunto estaria comprometida.
Nada disso aconteceu com os "Pinheiros de Roma" de Ottorino Respighi (1879-1936), com o "Concerto para Violino em Mi Menor", opus 64, de Felix Mendelssohn (1809-1847) -e não o em ré menor, como estava inscrito no programa- e, finalmente, na "Sinfonia nº 8" de Antonin Dvorak (1841-1904).
Ashkenazy já é um grande pianista. Sua condição de regente poderia ser objeto de um segundo atestado de aptidão que ele teria agora obtido com brilhantismo, somente com a turnê dos músicos dos 15 países da União Européia.
Ele regeu sem partitura os quatro movimentos da peça de Respighi. Foi mais evocador que descritivo, segundo uma visão que data dos anos 40, quando Fritz Reiner executou com a Sinfônica de Chicago uma versão ainda hoje evocada como de referência.
O concerto para violino de Mendelssohn trouxe como solista o alemão Christian Tetzlaff, 30, que agrega a seu repertório autores modernos como Janacek ou barrocos como Bach.
Essa flexibilidade o faz certamente evitar a armadilha segundo a qual a sonoridade do violino deve permanecer tributária de parâmetros de interpretação do início do século 19. Seus arpejos tornam-se então limpíssimos, seu fraseado traz a transparência da literalidade, com muita expressão nos "pianissimi".
É inevitável a comparação com a interpretação do mesmo concerto de Mendelssohn, ainda na semana passada, em São Paulo, pela norte-americana Tricia Park. Comparada a Tetzlaff, ela é uma promissora aluna de conservatório.
Chega por fim a sinfonia de Dvorak, esse anacrônico contemporâneo de Bruckner que desconhece as rupturas harmônicas de Mahler.
Ashkenazy e sua orquestra de jovens atingem seus melhores momentos. Há muita clareza nos contrastes, muita sutileza na dinâmica. Conseguem produzir momentos de impecável sinfonismo.

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