São Paulo, quinta-feira, 18 de abril de 1996
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A última discriminação

CELSO GIGLIO

Os prefeitos sempre foram alvos de discriminações absurdas, mas a coisa piorou de 1988 para cá, quando a nova Constituição aumentou a entrada de recursos nos municípios, dando a senha para um bombardeio de decisões arbitrárias e acusações genéricas e preconceituosas. A última discriminação agora se expressa na má vontade quanto à reeleição dos atuais prefeitos.
É uma coisa sem sentido. Permitir a possibilidade de reeleição dos atuais mandatários municipais está em sintonia com as normas democráticas -é assim em todo o mundo- e contribui para a racionalidade administrativa, pois possibilita que uma mesma política seja implementada por mais tempo.
Como se isso não bastasse, há o argumento definitivo: é isso que os eleitores querem. As pesquisas mostram, com variações aqui e ali, que a opinião pública é a favor da reeleição. A pergunta é: por que não?
Sabemos que o federalismo brasileiro nunca foi lá essas coisas. Com idas e vindas, a centralização foi predominante na nossa história. A Constituição de 1988, repleta de equívocos e exageros, avançou em pelo menos um ponto: dotou os municípios de uma fatia maior do bolo tributário.
Hoje os 5.000 municípios brasileiros recebem algo em torno de 17% da receita pública. É mais, mas não é demais e também não é seguro -muito menos definitivo. Três quartos desse dinheiro são transferências da União e dos Estados. Quer dizer, a autonomia continuou pequena. E existem ameaças aos municípios na reforma tributária.
"A atual Constituição transferiu recursos para os municípios, mas não transferiu encargos". Essa frase adquiriu status de verdade absoluta. Ela soa com grande naturalidade, inclusive nos meios mais ilustrados. Muita gente boa a repete como se fizesse parte do Antigo Testamento. Os prefeitos seriam, nesse caso, os "novos ricos" da praça, título muito pouco edificante para homens públicos, convenhamos.
Felizmente, a realidade se contrapõe ao mito. A Constituição de 1988 aumentou, sim, os encargos formais dos municípios, que desempenham papel fundamental em áreas importantíssimas como educação de primeiro grau, saúde e saneamento básico.
Além disso, as prefeituras passaram a ocupar os vazios deixados pelas outras esferas administrativas, compensando a inoperância da União e dos Estados em diversas áreas. Em Osasco, por exemplo, a municipalidade distribui 200 mil merendas por dia, inclusive nas escolas estaduais, e não recebe um centavo por isso.
Com frequência a mídia compara a situação dos Estados com a dos municípios. Tudo de ruim que ocorre nas finanças públicas é atribuído aos governos estaduais e às prefeituras.
Mais uma vez os prefeitos levam a culpa pelo que não fazem. No ano passado a dívida dos 27 Estados em operações de Adiantamento de Receitas Orçamentárias (ARO) foi de R$ 2,34 milhões. Já os 5.000 municípios assumiram dívidas no valor de R$ 1,6 milhão.
Estados e municípios são tidos como empreguistas. Quanto aos Estados, sem dúvida: alguns chegam a comprometer com pessoal 90% dos seus orçamentos.
O que ocorre com as prefeituras ninguém divulga. Mas o Movimento União pelo Município fez uma pesquisa com 600 prefeitos e encontrou uma realidade diferente: em 85% das prefeituras o gasto com pessoal não excede 60% das despesas orçamentárias.
Na discussão da reforma tributária os prefeitos foram marginalizados. Enquanto os governadores eram cobertos de mesuras e empanturrados de reuniões com as mais altas autoridades, os chefes do executivo municipal mal conseguiam ser ouvidos. Assim ensaia-se a anulação de um dos poucos acertos da Constituição de 88: os municípios podem acabar saindo da revisão com menos recursos do que entraram.
Diante desses exemplos, só me resta entender o impedimento à reeleição como um passo atrás na democracia, um ponto marcado para o centralismo e uma punição para a competência.
Do jeito que vão as coisas, os atuais prefeitos serão os únicos cidadãos inelegíveis no Brasil. É discriminação para ninguém botar defeito.

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