São Paulo, sábado, 20 de abril de 1996
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Exército assume investigações no Pará

DA SUCURSAL DE BRASÍLIA; DO ENVIADO ESPECIAL A CURIONÓPOLIS E ELDORADO DE CARAJÁS

O Exército vai controlar todo o leste do Pará e investigar o confronto dos entre sem-terra e policiais militares. A decisão foi tomada ontem em uma reunião do presidente Fernando Henrique Cardoso com os ministros Zenildo de Lucena (Exército) e Nelson Jobim (Justiça).
Cerca de 700 soldados, da 23ª Brigada de Infantaria de Selva, sediada em Marabá, vão patrulhar a área com a missão imediata de não permitir qualquer novo tipo de confronto. "A ordem é pacificar", disse a assessoria do Ccomsex (Centro de Comunicação Social do Exército).
O porta-voz da Presidência, Sergio Amaral, afirmou que o Exército também vai fazer uma "varredura" na região do massacre em Marabá (PA).
Segundo ele, a tropa vai auxiliar no levantamento de informações, na procura e localização de possíveis novas vítimas e no "esclarecimento do episódio".
A Folha apurou que o CIE (Centro de Informação do Exército) vai investigar o massacre e fazer um relatório apontando quem exatamente começou o confronto.
Segundo o porta-voz, o trabalho do Exército foi acertado com o governador Almir Gabriel (PA). "Cabe ao governo federal tomar medidas que possam auxiliar na identificação dos fatos e das vítimas", disse Amaral.
PM sem autoridade
O governo decidiu usar as Forças Armadas por dois motivos. Primeiro: na avaliação do Ministério da Justiça, a PM paraense perdeu a autoridade junto à população, e não apenas aos sem-terra, e reforçou com o confronto e as mortes a fama de que só defende os fazendeiros.
Segundo motivo: o CIE acompanha há vários anos o conflito agrário no área do Bico do Papagaio e é quem vem abastecendo a Presidência com informações.
Na manhã de anteontem, quando o governo se deu conta da gravidade do confronto entre a PM e os sem-terra, a primeira providência do Planalto foi enviar o chefe da Casa Militar, o general Alberto Cardoso, para a área.
Os comandos militares do Sudeste (sede em São Paulo) e do Sul (sede em Porto Alegre) também estão em alerta para uma mobilização eventual para conter os movimentos dos sem-terra nos Estados de São Paulo e Paraná.
Sobreviventes
Ontem, sobreviventes do massacre de Eldorado de Carajás afirmaram ter encontrado mais três corpos de homens perto da rodovia PA-150, que liga Eldorado de Carajás a Marabá, no leste do Pará.
Na conta do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), os corpos encontrados chegam a 26.
A PM (Polícia Militar) e o hospital de Curionópolis não confirmaram a informação. Continuam a divulgar o número oficial, que é 19.
Em assembléia realizada pela manhã, os sem-terra decidiram montar grupos de busca para tentar encontrar outros supostos feridos e mortos que estariam na mata próxima à rodovia. Foram criados dez grupos de cinco pessoas.
Mulheres e crianças
"Tem muita gente morta que ainda não foi encontrada, inclusive mulheres e crianças. É impossível que tiros de metralhadoras só tenha atingido os homens", afirma Maurílio da Silva Soares, 24, uma das lideranças do movimento.
A sem-terra Rita de Cássia afirma que viu policiais militares levar corpos de cinco crianças em uma camionete roxa, logo após o confronto, na última quarta-feira.
"Os PMs invadiram meu barraco, tiraram a lona preta e usaram para enrolar os corpos", disse.
A Folha não conseguiu localizar ontem o major José Maria Pereira de Oliveira, o único autorizado a falar sobre a operação.
Até o fechamento desta edição, um grupo de cerca de mil sem-terra aguardavam em Curionópolis a chegada dos 19 corpos, vindos de Marabá, a 150 km de distância, onde foi feita a necrópsia.
O clima no local do massacre ainda era tenso ontem. Vários feridos que haviam fugido correndo pelo mato voltaram ao local do confronto.
O sem-terra José Francisco de Souza encontrou ontem de manhã sua filha Tieles de Souza, 10, a uma distância de 10 km do local.
Ele disse, chorando, que pensou que a filha estivesse morta. A menina estava exausta e assustada.

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