São Paulo, sábado, 20 de abril de 1996 |
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Em 'Brasil S.A.', o bem derrota o mal
NELSON DE SÁ
A influência do "rei da comédia", ou "rei da carpintaria", que também estréia, como diretor, é evidente. As personagens do entorno do empresário-protagonista ecoam personagens das peças de Caruso -a empregada despachada, o político em campanha, a mulher burra e de pouca roupa, o emaranhado familiar. Caruso, porém, não reescreveu ele próprio a peça. É o que diz e não haveria mesmo motivo para Antonio Ermírio de Moraes deixar-se subjugar em seu recém-adquirido orgulho autoral. Assim, é espantoso que o primeiro um quarto ou um terço da peça vença, até com certa facilidade, o risco maior: o constrangimento. Com as mencionadas personagens de comédia popular, o empresário tornado dramaturgo chega a conseguir algumas boas risadas, sinceras, da platéia. Revela até certa auto-ironia, quando a empregada Dalva fala do empresário Lucas, seu patrão: "Êta homem tarado por trabalho. Tem raiva até das minhas férias." Nada mal. Mas é tudo o que o autor se permite de questionamento ao empresário idealista, de caráter incorruptível. Caruso talvez tenha avisado que personagens assim perfeitos não alcançam empatia, identificação. E não basta arrumar outra personagem para declarar que ele "tem todos os defeitos". Em trama moralista, e mais, em trama antes atenta ao discurso do que à ação, o bem e o mal só podem surgir como estereótipos. O bem, incorporado no protagonista de "ética, retidão de conduta", que "sempre trabalhou honestamente". O mal, no político corrupto ou no gigolô das multinacionais, capazes das atitudes mais infames contra velhos amigos ou contra amantes. São tipos, não propriamente personagens. Tipos são o melhor alimento da comédia popular, da farsa de "Trair e Coçar", sucesso histórico de Caruso. São o que alimenta, também, o início engraçado de "Brasil S.A.". Mas o show continua e chega-se àquilo que levou Antonio Ermírio de Moraes a escrever a peça. E a mensagem moral vem, menos através de ações, mais através de lições. Por bem-intencionadas que sejam, lições e discursos não são para o palco. Em "Brasil S.A.", o efeito é a pauperização dos diálogos. Clichês como "formado na universidade da vida" ou "o Brasil precisa de quem trabalhe" são desmascarados de forma quase cruel -e chega o constrangimento, afinal. A saída da direção foi apostar no melodrama, gênero também popular e de tipos, como a farsa, mas em que cabe melhor o moralismo -moralismo, aliás, que é expressamente admitido pela peça. E com o melodrama vêm o sentimentalismo, os exageros emocionais, as situações inverossímeis. Quem mais sofre, nesse sentido, é a mulher do empresário, papel que Irene Ravache não chega em momento algum a interpretar, propriamente -não se definindo bem se tem dificuldade com a construção da personagem ou simples rejeição. De fato, frases sentimentais como "eu construí aquela capelinha" e "ah, meus 20 anos, que saudade, que saudade de mim" não devem ser das mais fáceis e naturais, na boca. Também melodramática, mas mais bem construída, é a interpretação de Rogério Fróes para o empresário endividado. Esmurra a mesa, grita em descontrole e, no geral, esforça-se por ser verdadeiro em sua atuação -no que é acompanhado por Jandir Ferrari, que faz o filho juiz. No que tem de pior, o melodrama "Brasil S.A." traz cenas de novela, como o flagrante de traição, mal escrito e encenado. Sobretudo, talvez, a cena final -com a punição ingênua do mal, no político que perde a eleição ou na nora malvada que é deixada pelo amante, e na vitória do bem, com a restituição da felicidade e, é claro, dos bens. Texto Anterior: Roberto Carlos diz que Pelé brincou Próximo Texto: 'Rock e Gol' vira 'Copa América de bandas' Índice |
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