São Paulo, sábado, 20 de abril de 1996
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PARTIDOS DESBOTADOS

Seria ingênuo imaginar que, em algum lugar, a existência dos partidos pudesse ocorrer totalmente à margem dos imperativos de uma "Realpolitik". A representatividade das legendas é inseparável da realização de gestões junto ao Executivo, na forma de uma co-participação nas decisões de governo, tendo em vista, em tese, facilitar o atendimento das demandas gerais dos representados.
Se, porém, como se afirma no senso comum, "na prática, a teoria pode ser outra", parece que o sistema partidário brasileiro chegou a um ponto em que, seja lá qual for a teoria que se queira adotar, não haverá conceito que dê conta da excessiva permeabilidade das legendas e dos variados interesses fisiológicos. Resultado: na atual legislatura, nada menos que 92 deputados federais já trocaram de partido. Somente PSDB e PFL, os dois partidos que estão no centro do poder, atraíram 32 e 24 deputados respectivamente, em apenas 14 meses.
O fenômeno, que não é recente, causa grande inquietação, sobretudo se for considerado que a união de parlamentares sob uma mesma sigla deveria ter como fundamento a existência de um ideário político comum. Mas a frequência com que vem ocorrendo a evasão partidária parece indicar que muitos parlamentares não estão dispostos a responder por qualquer ideário e nem a constituí-lo.
Além disso, alegando que precisam atender às demandas das bases, muitos se reagrupam mais proximamente ao poder apenas para nomear apadrinhados e liberar verbas para Estados e municípios ou coisas ainda piores. A ampla representatividade fica assim também atingida. O Congresso corre o risco de deixar de ser o espaço de discussão dos principais temas nacionais e de deliberação em torno de reformas de grande importância. Seus integrantes virariam então "vereadores federais" -expressão usada por um deputado.
Enquanto isso, como era de esperar, uma reforma política que contemple, por exemplo, a fidelidade partidária, fica relegada a um enésimo plano. Trata-se de um atentado à política, na mais genuína acepção do termo.

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