São Paulo, sábado, 20 de abril de 1996
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Desafogo momentâneo

HÉLIO BICUDO

O problema carcerário no Brasil aflora nos momentos de crise aguda, como aconteceu na chacina do Carandiru em 1992 ou, mais recentemente, com a rebelião num presídio de Goiás.
Mas a verdade é que ele subsiste no dia-a-dia, com fugas e violência constatadas pela imprensa a desvendar um sistema perverso, onde permanecem presos réus condenados, mas que já cumpriram suas penas ou que de há muito mereciam benefícios previstos na Lei de Execuções Penais, para que se capacitassem à vida em liberdade.
A prisão brasileira é mero depósito de presos, que vegetam em celas superlotadas em decorrência de um sistema penal que privilegia a reclusão e esquece que a pena é meio e não fim.
Agora se busca o esvaziamento parcial das penitenciárias -o que não dizer do amontoado de pessoas nos xadrezes policiais- mediante a concessão de indulto àqueles de nenhuma ou pequena potencialidade ofensiva, circunstância que traria maior conforto para o encaminhamento da questão em prazo maior.
Tudo bem, mas se não se adotarem, desde logo, medidas concretas para a remodelagem no sistema penitenciário, em pouco tempo o desafogo ora alcançado com o indulto irá desaparecer, retornando-se para o "status quo ante", com maior deterioração ainda de toda a rede prisional.
Se olharmos com atenção para o problema penitenciário, iremos verificar que o que falta realmente é vontade política para enfrentá-lo.
Tenha-se em mente, nesse particular, que a construção de novos presídios, na forma tradicional, servirá apenas para engordar o bolso das empreiteiras, como aconteceu em São Paulo, onde novas penitenciárias foram edificadas e o impasse continua o mesmo.
Existem, inclusive, nas prateleiras dos governos estaduais e federal, estudos para uma reversão na política dos grandes presídios, onde a administração passa à direção dos grupos mais ousados e violentos: nesses casos só não ocorrem rebeliões à custa de tolerância à corrupção e à violência. Veja-se o que acontece, por exemplo, na Casa de Detenção de São Paulo.
É preciso, pois, que os governos se convençam de que a prisão é a ponta de todo um sistema de segurança, que compreende a atuação da polícia, do Judiciário e do Ministério Público, além, evidentemente, de sua inserção na própria comunidade. Daí a idéia de que, num mesmo módulo, devam sediar-se a polícia, a Justiça e a prisão.
A Justiça controlará a polícia nos seus excessos; julgará com maior justiça, e o juiz que impuser a pena responsabilizar-se-á pelo seu cumprimento, pois o delinquente permanecerá sob vigilância "icto oculi", consciente a sociedade das etapas vencidas para sua ressocialização. Projeto nesse sentido existe. Falta que se dê a ele a devida atenção, em vez de buscarem soluções milagrosas, que jamais serão implementadas.

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