São Paulo, terça-feira, 23 de abril de 1996
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Entenda-se como quiser

ANDRÉ LARA RESENDE

O assunto já passou, mas acho que merece algumas observações adicionais. Trata-se da entrevista de Rudi Dornbusch. Estive viajando por alguns dias e ao voltar fiquei impressionado com a repercussão.
Disse aqui que a entrevista me pareceu uma forma espalhafatosa de dizer, como se fosse uma crítica substantiva, exatamente o que o governo, por meio do ministro da Fazenda, vem defendendo há tempos.
Nada de novo. O Brasil precisa crescer e não o poderá fazer sem reorganizar as contas públicas, acelerar a privatização e reformar o Estado. Os juros estão estratosféricos e melhor seria ter o câmbio menos valorizado.
Mas não se deve fazer nenhum movimento isolado. Desvalorizar ou reduzir adicionalmente os juros com a atual situação das contas públicas seria um erro. A chamada para a entrevista de Celso Pinto, aqui na Folha, que foi um primor de equívoco sensacionalista: "Dornbusch receita inflação".
Estava montado o palco para uma falsa polêmica. Ora, é evidente que ninguém em sã consciência receita inflação para um país que acaba de sair de mais de quase duas décadas de pesadelo inflacionário.
Dornbusch é um homem inteligente e um macroeconomista brilhante. O que ele afirmou foi algo completamente diferente: não se deve ficar obcecado em reduzir imediatamente a inflação para o nível das sete grandes economias industrializadas, que hoje está em 2,2% ao ano -o nível mais baixo dos últimos 30 anos.
Embora eu discorde, essa é uma tese defendida por muita gente competente. Segundo eles, uma inflação de 15% a 30% ao ano, embora não seja o ideal, não é algo perigoso.
Se o preço de reduzir adicionalmente a inflação for os juros estratosféricos, o câmbio sobrevalorizado, a dependência de capitais externos especulativos, a estagnação e o desemprego, melhor esquecer e conviver com alguma inflação.
Esse não é, entretanto, o preço de baixar a inflação para os níveis internacionais. É, isso sim, o preço de não concluir o ajuste das contas públicas e não recuperar a poupança interna.
Além disso, depois de anos de inflação crônica, qualquer inflação aparentemente inofensiva é de alto risco. De qualquer forma isso é outro assunto. Volto à repercussão da entrevista.
Não é apenas o número de comentários, reportagens e artigos a propósito das supostas declarações de Dornbusch que impressiona. É também a virulência da reação. Reações curiosíssimas, pois cada um leu na entrevista o que bem entendeu.
A "Veja", por exemplo, chegou a afirmar que Dornbusch defendeu a inflação de dois dígitos ao mês! Sob o risco de fazer psicossociologia de galinheiro, não se pode deixar de ver aí forte indício de que o professor tocou em algum ponto nevrálgico de nossas mazelas.
Não se pode viver exclusivamente da estabilidade de preços. O Brasil precisa voltar a crescer à sua taxa histórica, sem o que não se poderá reduzir a pobreza abjeta a que está relegada grande parte da população.
O país precisa de projeto. Falta reflexão. Não se vai a lugar nenhum quando não se sabe onde se quer ir.
Essas foram algumas das coisas que Dornbusch também disse. Não mereceram a mesma atenção, mas acho que estão por trás do incômodo que causou. Também, se não disse, eu entendi assim.

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