São Paulo, domingo, 28 de abril de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Reformas

ANTONIO KANDIR

Frente à matança dos trabalhadores sem terra no sul do Estado do Pará, é quase inevitável repetir o que todos já disseram: foi das coisas mais chocantes e repulsivas que já se viu no país nos últimos anos.
Reservo-me apenas o direito de, em meio à comoção que todos sentimos, manter uma ponta de dúvida quanto a saber se a energia que as lideranças do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) empregam em sua estratégia de ocupação seria a mesma na consolidação de assentamentos rurais, ou se a atividade mobilizatória já se teria tornado um fim em si mesmo, ao menos para parte dessas lideranças do movimento.
De todo modo, não é essa a questão fundamental. A questão fundamental é que os episódios do Pará inscrevem a reforma agrária, de modo definitivo, na pauta dos problemas cruciais do país. É o que tem de positivo.
"Favelas rurais"
O avanço da reforma agrária depende de um conjunto de coisas, desde a regularização de terras de propriedade precária ou duvidosa até o oferecimento de condições adequadas para que os assentamentos não se transformem em "favelas rurais", passando por maior rapidez nos ritos de desapropriação.
São ações de natureza variada, mas todas elas têm implicações financeiras inescapáveis.
Sem recursos, não se pode realizá-las.
Ou, por outra, quanto mais recursos houver, mais amplamente essas ações poderão ser realizadas.
Esse, o elo de ligação entre a reforma agrária e as reformas constitucionais de natureza fiscal que estão tramitando no Congresso Nacional.
Revela-se aí a esquizofrenia dos partidos que defendem a reforma agrária e buscam impedir a aprovação das reformas administrativa e previdenciária.
É inegável que os episódios do Pará colocam em xeque a capacidade do governo de oferecer solução para os problemas sociais do país.
Oposições em xeque
Mas colocam em xeque também as oposições, pois é inconsequente defender uma reforma agrária para valer e empenhar-se, ao mesmo tempo, em manter um quadro fiscal no qual recursos públicos escassos são devorados de modo crescente por gastos com pessoal.
Se o governo federal está obrigado a demonstrar ser efetivamente social-democrata, não menos obrigadas estão as oposições a decidir-se entre a defesa de interesses corporativos e a defesa dos interesses das camadas marginalizadas do mercado e da produção, das quais se autoproclamam porta-vozes.
Que cada qual, pois, assuma, nesse momento de comoção, as suas contradições, sem arrogância e farisaísmo.
Se estivermos todos dispostos a fazê-lo com determinação e espírito público, quem sabe consigamos finalmente alcançar a modernidade que interessa aos brasileiros.

Texto Anterior: FHC, apupo e aplauso
Próximo Texto: Bradesco se especializa em venda de bancos
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.