São Paulo, domingo, 28 de abril de 1996
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Mais fraco o consenso pró-reformas

GILSON SCHWARTZ
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Num certo momento, lideranças sindicais, empresariais e do governo pareciam estar, se não de acordo, ao menos dispostas a sentar na mesma mesa para discutir um conjunto de reformas na legislação social e trabalhista para reverter o desemprego crônico.
Mas, apesar da crise econômica e do número crescente de falências, o Banco Central é inclemente. Repete "ad nauseam" que apenas a redução do déficit público devolverá o crescimento econômico. E o governo quer nada menos que o congelamento dos salários do funcionalismo público.
Resultado: na semana passada rompeu-se o mínimo de consenso em favor de reformas negociadas. Para os sindicatos, o caminho mais provável é o da greve geral.
Este cenário, em cada detalhe, não é o brasileiro (embora toda semelhança não seja mera coincidência). É tudo na Alemanha.
Mudança dolorosa
Hans-Olaf Henkel, presidente da Federação da Indústria Alemã, declarou na semana passada que o movimento sindical está em fase terminal e que o modelo alemão de consenso nas relações industriais foi para o vinagre. Ele vê desindustrialização se a sociedade não se sujeitar a um processo de "mudança dolorosa". Para Henkel, o futuro da Alemanha é o modelo anglo-saxão de individualismo.
Suas declarações foram duras. Estava em curso uma negociação em favor de um modelo social-democrata defendido pelos sindicatos em que fosse possível combinar alguma moderação salarial com alguma criação de empregos.
Na visão de Henkel, em entrevista ao "Financial Times" de quinta-feira, isso não passa do "desejo dos alemães de criarem emprego por meio de mesas-redondas" ou "abraçando-se uns aos outros, assinando papéis em vez de engolir o remédio amargo".
Para Henkel, tentar criar empregos via alianças ou pactos não passa de jogo com os sintomas da crise. Conclusão: "Votaremos com nossos pés, iremos para o exterior". O presidente do Bundesbank, o banco central alemão, soltou um relatório fazendo basicamente as mesmas denúncias. Depois de 40 anos, o modelo de proteção social alemão desaba.
Desunião
O chanceler Helmut Kohl ficou na berlinda. E ainda enfrentará a ira dos funcionários públicos, indignados com a proposta de congelamento dos seus salários.
Em última análise, a Alemanha ainda paga o preço da unificação. Seu banco central defende critérios rigorosos para a implementação do sistema monetário europeu, mas nem a própria Alemanha enquadra-se hoje no limite de déficit público de 3% do PIB (critério de Maastricht, que deve ser obedecido para que a moeda européia entre em vigor em janeiro de 99).
A Alemanha foi unificada, com a esperança de consolidar seu papel de centro de gravidade do sistema europeu. A sua união nacional, interna, seria por assim dizer o lastro da União Européia. Os custos dessa meta, entretanto, estão levando ao desmoronamento de um sistema social e, portanto, a cada vez mais desunião interna.
O problema é que os trabalhadores não costumam ou não podem, como um todo, votar com os pés.

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