São Paulo, domingo, 28 de abril de 1996
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Um admirador de paradoxos

JAIR MINORO ABE
ESPECIAL PARA A FOLHA

Literatura e lógica possuem algo em comum: ambas certamente nos causam fascínio, mergulham em mistérios e nos põe diante do "mirandum"...
Sabe-se que o autor de "Alice", Charles Lutwidge Dodgson, é, também, autor de um livro em lógica ("Symbolic Logic: Part I, Elementary", publicado em 1896) e possui contribuições altamente originais na disciplina, não somente pela obra mencionada, bem como por alguns trabalhos publicados na conhecida revista "Mind", atestadas por vários especialistas em lógica.
Um dos historiadores de matemática mais conceituados, Eric Temple Bell, chegou mesmo a asseverar que Dodgson estava muito adiante dos seus colegas lógicos britânicos. Aproximadamente uma década após a morte de Dodgson (em janeiro de 1898), talvez seus trabalhos tenham sido, por assim dizer, encobertos pela publicação da monumental obra em lógica, intitulada "Principia Mathematica", realizados por Alfred North Whitehead e Bertrand Russell, época em que se inaugurou efetivamente o progresso revolucionário que a lógica experimentou, estabelecendo o limiar de uma nova era da lógica em nosso tempo.
É oportuno, neste ponto, deixar claro ao leitor que hodiernamente a lógica não é mais concebida como o estudo das inferências ou raciocínios válidos, como muitos tratadistas ainda insistem em expor a lógica aristotélica como se constituindo em toda a lógica. Na realidade, a lógica atualmente se converteu em uma disciplina matemática com características próprias, de grande vitalidade e importância. Naturalmente, não podemos dar uma definição rigorosa de lógica, porém, em uma primeira aproximação, podemos dizer que , "lógica é o que os lógicos cultivam ou o que está nos tratados de lógica...".
Ao que tudo indica, após as descobertas de manuscritos e correcões de originais, obtidas principalmente por W. W. Bartley 3º e com a colaboração de outros, Dodgson estaria preparando um segundo livro em lógica.
Ainda que suas inovações sejam interessantes do ponto de vista histórico, as passagens mais interessantes de seu livro não-publicado são os paradoxos e jogos. Como curiosidade, discutiremos aqui, alguns dos paradoxos que Dodgson se ocupou.
Um deles, se trata do famoso paradoxo do mentiroso. Suponha-se que alguém afirme a seguinte sentença (declarativa):
(A) "Eu estou mentindo".
A sentença (A) é verdadeira ou falsa. No primeiro caso, a pessoa estará, de fato, mentindo e, por conseguinte, a afirmação dele, (A), é falsa. Ou seja, a veracidade de (A) acarreta sua falsidade. No segundo caso, é falsa a sentença "Eu estou mentindo" e, portanto, a pessoa em apreço estará dizendo a verdade, e, em consequência, (A) é verdadeira. Em conclusão, a sentença (A) é verdadeira e falsa ao mesmo tempo!
Um segundo paradoxo que comentaremos trata-se do paradoxo do crocodilo.
Esta trágica história é assim: um crocodilo rapta uma criança às margens do rio Nilo. A mãe, desesperada, implora ao crocodilo que devolva a criança. "Bem", disse o crocodilo, "se a senhora disser verdadeiramente o que farei com a criança", eu lhe dou a palavra que a devolvo. Caso contrário, eu a devorarei.
"Você devorará a criança!", gritou a distraída mãe.
Então, o crocodilo esperto disse: "eu não vou poder lhe devolver a criança: pois, se eu o fizer, estarei fazendo você dizer falsamente: e, eu lhe alertei que, se você disser falsamente, eu iria devorar a criança".
"Pelo contrário", disse a mãe astuta, "você não poderá devorar minha criança: pois, se o fizer, você estará me fazendo dizer a verdade e você prometeu que se eu disser verdadeiramente, iria devolvê-la!".
Os paradoxos foram exaustivamente investigados pelos lógicos. Eles evidenciam que a linguagem coloquial não é adequada para o tratamento rigoroso da lógica. Deve-se, essencialmente, ao lógico polonês Alfred Tarski a descoberta que toda linguagem natural, que é universal, no sentido que pode se referir a si mesma, sem quaisquer restrições, leva inevitavelmente a contradições, naturalmente, admitindo-se, também, certos princípios básicos da lógica clássica. Nesse sentido, o paradoxo do mentiroso pode ser visto como um pseudoparadoxo. Porém, com o advento de lógicas alternativas da clássica (a lógica paraconsistente, por exemplo), alguns especialistas classificam-no como paradoxo novamente.
Finalizando, gostaria de deixar o seguinte jogo para os leitores. Suponha-se que em um quadro esteja escrito as seguintes sentenças:
(1) Você não existe.
(2) Eu não existo.
(3) Pelo menos uma das sentenças neste quadro é falsa.
O quê se pode concluir daí?

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