São Paulo, domingo, 28 de abril de 1996
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FEDERAÇÃO SEM ESTADOS

O princípio federativo está em crise. Embora a descentralização administrativa e o avanço de Estados e municípios tenham sido uma das mais importantes bandeiras da democratização brasileira e tenham mesmo servido como eixo de importantes mudanças na Constituinte de 1988, chegou-se a um impasse.
Tudo indica que não haverá outra saída dessa encruzilhada senão a volta do pêndulo do poder em direção à esfera federal. Os administradores dos grandes municípios e dos mais importantes Estados, endividados além de sua capacidade, ouvem e pronunciam com frequência cada vez maior uma só palavra: federalização.
O Banespa pode ser federalizado (depois de 16 meses já sob intervenção federal), as dívidas municipais de São Paulo serão federalizadas, parte significativa do estoque de dívidas estaduais também já foi federalizada.
Embora ainda haja algum espaço para operações de antecipação de receita orçamentária (as célebres ARO) de governos junto a bancos privados, a falta de crédito é sem dúvida a norma. Assim, a tendência tem sido principalmente no sentido de o próprio governo federal, por meio do BNDES, oferecer novas modalidades de antecipação de receita de futuras privatizações, contra promessas de disciplina fiscal dos Estados cobradas pelo governo federal.
Muitos dirão que essa volta do pêndulo nada mais é senão o resultado natural da irresponsabilidade dos governos democráticos que, ao longo dos anos 80 e principalmente depois da nova Constituição, usaram e abusaram das novas condições a ponto de quebrarem seus tesouros.
Há sem dúvida ao menos uma correlação parcial entre descentralização administrativa e irresponsabilidade fiscal ao longo da democratização. Mas seria ingenuidade ignorar que o processo é mais complexo e que envolve, também, uma perversa e irreversível retomada do poder pelo governo federal por vias tortas, voluntária ou involuntariamente "quebrando" os Estados e municípios com uma política de taxas de juros verdadeiramente "escorchante", para repetir o qualificativo usado por FHC.
A solução para a crise financeira será penosa, lenta e multiforme. As negociações já estão ocorrendo em vários níveis, e o presidente nomeou Pedro Parente, secretário-executivo do Ministério da Fazenda, como negociador-mor do futuro dos Estados.
Parte importante do que começa a se vislumbrar como esquema alternativo de financiamento é uma nova onda de captação de recursos externos pelos governos estaduais, amparados em garantias que seriam oferecidas pelo Tesouro Nacional. O governo federal assumiria o papel de uma espécie de FMI interno, que só calçaria o novo endividamento para unidades da federação enquadradas em suas condicionalidades.
O cenário mais provável é o de uma república federativa cuja federação é débil. Fica no ar, entretanto, uma pergunta fundamental. Mesmo com um (hoje improvável) ajuste fiscal autêntico, qual o real poder que o governo federal tem para federalizar todos os problemas financeiros do país?

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