São Paulo, terça-feira, 30 de abril de 1996
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A equação do 'black'

CELSO PINTO

Assim como saltou para 7%, o ágio do dólar paralelo começou a murchar, ontem, fechando a 5,8% sobre a cotação oficial. Por quê?
Ao que tudo indica, porque o Banco do Brasil e o Banco del Paraná (controlado pelo Banco do Estado do Paraná), voltaram a aceitar os reais gastos pelos sacoleiros brasileiros no Paraguai. Esse fluxo havia sido interrompido quando entrou em vigor a nova lei, mais dura, para as contas de não-residentes (as antigas CC-5), segunda-feira da semana passada.
Antes, os sacoleiros compravam em reais no Paraguai, os reais atravessavam a fronteira para o Brasil e se transformavam em dólares pelo câmbio flutuante nas contas CC-5 de comerciantes paraguaios (ou, mais comumente, seus cambistas) no Brasil.
A nova legislação cortou esse elo, ao restringir as operações na nova CC-5 a filiais de bancos brasileiros no exterior ou bancos correspondentes. Em outros termos, os cambistas e comerciantes perderam acesso direto ao flutuante e tiveram de trocar reais por dólares no mercado paralelo brasileiro. A pressão fez as cotações aumentarem.
Continua possível, contudo, um banco de maior porte aceitar receber os reais no Paraguai, convertê-los em dólares em suas contas CC-5 no Brasil e remeter de volta aos comerciantes paraguaios.
A única diferença é que este banco fica mais clara e diretamente responsável pela origem do dinheiro.
Esse mercado fronteiriço é algo que movimenta uns US$ 20 milhões por dia, ou até US$ 8 bilhões por ano, no cálculo de um especialista na área de câmbio e ouro, Nathan Blanche, do banco Cindam. Ou US$ 4 bilhões/ano, na conta de outro especialista, Alcindo Ferreira, ex-dirigente da área cambial do BC.
Em qualquer hipótese, é o bastante para abalar o paralelo, que hoje movimenta uns US$ 5 milhões a US$ 6 milhões por dia.
A curtíssimo prazo, esse mercado é o que mais afeta o paralelo, mas não é o único. Outro mercado sensível é o do ouro (e pedras preciosas).
Tradicionalmente, o ouro foi a grande fonte de abastecimento do "black", até que o governo, nos anos 80, começou a comprar ouro pela cotação do paralelo. Naquela época, a produção vinha quase toda do garimpo.
Hoje, calcula Blanche, 40 toneladas de ouro por ano vêm da mineração, 30 toneladas vêm do garimpo. Ele não tem a menor dúvida que qualquer ágio do paralelo superior a 1% levará o ouro do garimpo para o "black". As mineradoras dificilmente desviarão ouro para o paralelo.
O ouro do garimpo pode significar uma irrigação de uns US$ 350 milhões por ano no paralelo. Não é desprezível, para um mercado que ficou à mingua tanto tempo, mas é pouco, se comparado ao US$ 1,5 bilhão girado por dia no câmbio flutuante.
Quanto ao dinheiro do "caixa 2", a avaliação é de que dificilmente empresas maiores arriscariam operar por intermédio de blequistas. Muitas empresas exportam para suas filiais em paraísos fiscais para poder revender mais caro e ficar com dinheiro "extra" no exterior. Parte desse dinheiro já entrava no país por meio de bancos grandes -e isso deve continuar.
Uma coisa é intermediar dinheiro da droga ou de cambistas no exterior. Outra é aceitar operações de empresas de nome. O risco de intermediar dinheiro de origem duvidosa (do ponto de vista fiscal), neste caso, é menor.
De toda forma, a cotação do paralelo descolou de vez do câmbio oficial (dividido, por sua vez, entre o comercial e o flutuante). Para não se ter três cotações do dólar, vários especialistas, incluindo Blanche, acham que estaria na hora de o BC unificar o comercial e o flutuante.
A unificação não precisaria sequer ser formalizada: bastaria que o BC fizesse leilões simultâneos para os dois mercados e as cotações seriam unificadas. Por que o BC não dá esse passo lógico?
Prudência. Hoje sobram dólares mas, se houver uma corrida especulativa para comprar dólares, a separação entre os mercados ajuda a isolar o valor dos dólares que abastecem exportadores e importadores, dando maior margem de manobra ao BC. Sinal de que a crise cambial de março do ano passado deixou memórias.

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