São Paulo, terça-feira, 30 de abril de 1996
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Século perdido

ANTONIO CARLOS DE FARIA

Rio de Janeiro - Nem de longe o julgamento da chacina da Candelária serve para aplacar as consciências de todos nós, responsáveis pelo país onde vivemos.
Só a apatia e a conivência geral podem explicar as chacinas de miseráveis em todos os cantos do Brasil. Sejam as chacinas semanais de São Paulo e sua periferia, as do Rio e da Baixada Fluminense ou as dos sem-terra.
Chegamos ao ponto de contar as vítimas em forma de escore, medindo a grandeza dos crimes pelo maior ou menor número de mortos.
Além da matança no atacado, há ainda o genocídio a varejo, como mostram os suicídios dos índios no Mato Grosso ou o extermínio de menores no Rio, com mais de 6.000 mortes nos últimos dez anos.
Dois policiais assumiram, até ontem à tarde, a autoria das oito mortes de meninos na praça da Candelária, em 93. São policiais militares e estão sendo julgados na Justiça comum porque mataram fora do horário do expediente.
Outros policiais, que cometeram crimes durante o trabalho, gozam do privilégio da Justiça Militar. Um projeto de lei que restringe esse fórum corporativista segue sem aprovação final no Congresso, que reflete o desinteresse da sociedade e adia o seu dever de legislar.
No campo das omissões, despontam os governadores de Estado, que são os responsáveis pelas ações dos policiais de seus Estados, mas não são incriminados quando esses cometem barbaridades. Lembremos as matanças do Carandiru ou a mais recente de Eldorado do Carajás.
Todas essas mortes revelam de forma aguda o lado sinistro da nacionalidade. Mantemos um país de senhores de engenho, cujo único projeto é perpetuar a cidadania restrita da ordem colonial e, assim, vamos entrar no século 21 com as mesmas questões que emperravam a vida no século 19.

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