São Paulo, terça-feira, 30 de abril de 1996
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Não li e já gostei

ANDRÉ LARA RESENDE

Leio na Folha de domingo uma resenha do novo livro de Lester Thurow. O tema é o futuro do capitalismo. A visão do autor é sombria, populista e estatista, tacharam o "New York Times" e a "Business Week". Mais comedida, a "The Economist" criticou o viés pessimista. Ainda não li. Melhor seria, como manda o bom senso, me abster de comentar. É que o tema me interessa.
Thurow foi um jovem economista de grande brilho. Sua tese de doutorado -sobre a função de produção agregada, se não me engano- foi recebida como uma contribuição relevante para a ortodoxia. Jovem professor do MIT, ganhou logo a cadeira vitalícia.
Seu interesse pela política levou-o a assessorar candidatos do Partido Democrático. Foi citado em todas as listas de jovens estrelas acadêmicas com futuro político.
Suas idéias e seus interesses deram cedo sinais de se afastarem do que rezava a cartilha da ortodoxia acadêmica. Foi quando, lá pelo fim da década de 70, me inscrevi no seu curso sobre distribuição de renda.
Já reflexo do início de seu ostracismo acadêmico, o curso era tanto para os alunos do departamento de economia como para os da escola de administração. O tema não fazia parte do núcleo duro de teoria e o tratamento não era suficientemente rigoroso e matematizado. Entre o meu interesse pelo tema e o risco de ser percebido como quem toma uma opção fácil, cheguei a hesitar.
Thurow, como professor, era excessivamente descuidado, mas a lista de leitura de seu curso era interessantíssima. Curioso é que, já com a pecha de um pouco à esquerda do aceitável, a mensagem básica do curso era conservadora: a distribuição de renda não é passível de ser significativamente modificada pela via fiscal ou por qualquer ação do governo. Só as guerras ou as transformações sociais profundas foram capazes de alterar a distribuição de renda e riqueza num prazo relativamente curto de tempo.
Digo isso e só agora me ocorre que a mensagem poderia ter duas leituras. Mas, com certeza, a mensagem de Thurow, se não era conservadora, era cética. Seu livro "A Sociedade de Soma Zero", publicado alguns anos depois, foi motivo de controvérsia.
Mais uma vez, seu ceticismo sobre as possibilidades do capitalismo como um sistema do qual todos poderiam se beneficiar estava contra a corrente e, a meu ver, equivocado. Mas antes de tudo era superficial.
Volto então ao novo livro. Segundo a resenha de Carlos Eduardo Lins da Silva, Thurow retoma a tese de que, agora vitorioso e sem competidores, o capitalismo estaria perdendo o fôlego.
Como evidência cita o fato de que a taxa de crescimento da economia mundial, que foi de 5% ao ano na década de 60, vem caindo e não deve passar de 2% nesta década.
Tenho dúvidas se tais dados são suficientes para sustentar a tese. Mas o que me chamou a atenção foi a observação de Thurow de que para escapar da crise seria preciso eliminar a cultura do consumismo e da auto-indulgência, revigorar os laços de solidariedade e pensar num mundo que deve sobreviver à nossa morte.
Não me parece que o capitalismo dê qualquer sinal de falta de dinamismo como sistema produtor de riqueza. Mas como produtor de valores e de objetivos de vida -e acho que aqui Thurow finalmente acertou- tem deixado mais do que a desejar. O livro já está encomendado.

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