São Paulo, quarta-feira, 8 de maio de 1996
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Reforma agrária - 3

LUÍS NASSIF

Logo após deixar a presidência do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), o economista Francisco Graziano passou uma temporada em Londres, que resultou no trabalho "Terra, Pobreza e Cidadania" -uma das mais ponderadas e desmistificadoras análises produzidas recentemente sobre a questão.
O trabalho procura estabelecer alguns ajustes conceituais entre a reforma agrária conforme preconizada nos anos 50 e a reforma agrária de hoje.
Nesse período -explica Graziano-, o Brasil sofreu o maior processo de urbanização da história entre todos os países do mundo. Em poucas décadas, a realidade sofreu transformações tão profundas que não permitiu a compreensão adequada de nova natureza do problema.
O ponto central é a mudança de enfoque em relação à grande propriedade rural.
Nos anos 50, era o latifúndio, grandes extensões de terras improdutivas em regiões politicamente atrasadas.
Nos anos 90, o fator dinâmico de acumulação é a grande propriedade rural, produtiva, eficiente, mas nem sempre socialmente justa.
O comando está nas mãos da grande empresa rural, vinculada ao complexo agroindustrial. O latifúndio, assim como a pequena propriedade, sobrevive residualmente em algumas regiões do Nordeste.
Novos problemas
Não que a grande propriedade rural esteja isenta de problemas. A natureza do problema é diferente, obrigando a repensar a questão.
Essa mudança central indica que a reforma agrária tem de ser feita dentro da lógica capitalista. Lógica capitalista não significa tratar o assentado com dureza. Significa prepará-lo para caminhar com as próprias pernas e competir em nível de mercado.
Para tanto, não basta apenas distribuição de terra.
Graziano é taxativo. Não pode haver exceção: toda propriedade rural improdutiva tem de ser desapropriada. O que questiona é o impacto da mera distribuição de terras sobre a miséria em geral.
O distributivismo expressa uma visão restrita do problema do campo. O drama dos "sem-terra" é da mesma natureza dos "sem-teto" ou dos "sem-comida".
Justamente por isso, a distribuição de terra é apenas um elemento a ser considerado dentro de uma política global de combate à miséria.
Heterogêneo
O trabalho aponta para a heterogeneidade da agricultura brasileira, que não comporta soluções homogêneas.
Como conferir o mesmo tratamento ao Nordeste, com os latifúndios remanescentes, e ao Centro-Sul e seus grandes complexos agroindustriais?
Onde o capitalismo está avançado, ensina Graziano, os problemas dos trabalhadores não são mais com a posse da terra, mas com as condições de trabalho, com a luta por melhores condições de salário e emprego. Para esses trabalhadores, as demandas trabalhistas são mais relevantes do que a posse da terra.
No Paraná, por exemplo, o governo estadual, em conjunto com diversas prefeituras, passou a trabalhar em programas de lotes urbanizados para bóias-frias.
Essa "urbanização" da zona rural trouxe bons frutos à vida dos trabalhadores. Uma política restrita de reforma agrária apenas passaria ao largo dessas providências.
Por outro lado, há uma infinidade de pequenos agricultores -os "com-terra"- oprimidos por insumos caros e preços depreciados. É outro segmento que comporta apoio do setor público, dentro da idéia de tratar a questão agrária de maneira global.
Idéia-chave
A idéia-chave do trabalho de Graziano é o governo analisar as características locais da estrutura agrária e lançar mão de instrumentos alternativos, não se restringindo à distribuição de terra -instrumento que destaca como relevante, mas não único.

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