São Paulo, quarta-feira, 8 de maio de 1996
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"Sorrisos..." revela a leveza do jovem Bergman

JOSÉ GERALDO COUTO
DA REPORTAGEM LOCAL

Nesta semana em que o ciclo "Sete Vezes Bergman", na Sala Cinemateca, revisita a obra "madura" do maior cineasta sueco, nada mais oportuno que o lançamento em vídeo de "Sorrisos de uma Noite de Verão".
Rodado em preto-e-branco e lançado em 1955, "Sorrisos..." é uma comédia romântica que parece ter pouco a ver com o universo sombrio e severo do Bergman das últimas décadas.
Mas a distância entre o jovem diretor de "Sorrisos de uma Noite de Verão" e o de dramas como "Gritos e Sussurros" e "Sonata de Outono" é apenas de tom e estado de espírito.
Temas permanentes
Os temas e preocupações são os mesmos: a busca da liberdade que quase sempre redunda em solidão, o amor e sua tirania, a ética pessoal em confronto com as convenções.
O que mudou então? Aparentemente, com o passar dos anos, o desgate de sucessivos casamentos e as frustrações pessoais e artísticas foram acrescentando amargura e ceticismo ao olhar de Bergman sobre a vida e os indivíduos.
Mas talvez essa seja uma leitura demasiado "psicologista" ou "biografista" da evolução da obra de Ingmar Bergman.
O fato é que o cinema bergmaniano tornou-se progressivamente prisioneiro de sua própria dramaturgia -uma dramaturgia encerrada em cenários claustrofóbicos em que poucos personagens se debatem numa espécie de psicodrama belissimamente fotografado e interpretado.
A notável exceção a essa tendência verborrágica do último Bergman, tão cara aos psicanalistas, é precisamente seu último filme, "Fanny e Alexander".
Em "Sorrisos de uma Noite de Verão", conhecemos um outro Bergman. Para começar, o ambiente é o campo aberto, e a estação é o verão. Desse cenário bucólico e luminoso resulta boa parte do frescor e da leveza dessa comédia premiada em Cannes.
O entrecho é o de uma farsa -e seria retomado quase literalmente por Woody Allen em "Sonhos Eróticos de uma Noite de Verão".
No início do século, juntam-se numa fazenda: um advogado cinquentão (Gunnar Bjornstrand); sua jovem segunda mulher (Ulla Jacobsson); seu filho do primeiro casamento (Bjorn Bjelvenstam); uma atriz divorciada (Eva Dahlbeck); um militar (Jarl Kulle); a mulher deste (Margit Carlqvist); mais um grupo de criadas, cocheiros, lavradores.
Há uma incessante dança de casais, em que todos fingem que enganam todos, mas segundo convenções mais ou menos aceitas previamente.
A certa altura, por exemplo, o conde Malcolm diz: "Que alguém dê em cima de minha esposa eu posso suportar, mas se alguém avança sobre minha amante eu viro fera". O detalhe é que ele diz isso para a própria mulher.
Seria apenas uma comédia de costumes se não houvesse dois personagens que, em função da sinceridade de seu amor, não se contêm nos limites das convenções e rompem com elas: a jovem esposa insatisfeita, Anne, e seu enteado Henrik.
Comédia moral
É a densidade dos sentimentos dos dois que realça o caráter cômico e vão do alvoroço erótico dos outros. Ao confrontar essa agitação social com a "hora da verdade" individual e intransferível, Bergman ultrapassa os limites da comédia de costumes e constrói uma obra moral.
Não julga as fraquezas e traições de seus personagens, apenas expõe seu ridículo e mostra que o indivíduo pode enganar a todo mundo, menos a si próprio.
Não por acaso, uma personagem afirma, a certa altura: "O 'solitaire' (paciência) é o único jogo em que não é possível trapacear".

Vídeo: Sorrisos de uma Noite de Verão
Produção: Suécia, 1955, 108 min.
Direção: Ingmar Bergman
Elenco: Gunnar Bjornstrand, Ulla Jacobsson, Harriet Andersson
Lançamento: Veneza (tel. 011/950-4222)

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