São Paulo, quarta-feira, 8 de maio de 1996
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O mínimo e a retórica

ANTONIO DELFIM NETTO

A questão do salário mínimo é das mais complicadas porque os interesses envolvidos são enormes, principalmente no Brasil, onde boa parte da população economicamente ativa ganha próximo do mínimo.
Essa concentração é ainda maior nos serviços públicos estaduais e municipais e na seguridade social.
Um ponto interessante a respeito do salário mínimo é que ele é objeto, também, de uma enorme disputa teórica. É claro que a maioria dos economistas acredita que aumento de salário real acima da produtividade da mão-de-obra deve produzir algum desemprego.
O que nem a teoria nem os estudos empíricos confirmam são os efeitos das mudanças marginais no salário mínimo sobre o emprego, em países com mercado de trabalho mais ou menos regulado.
O estabelecimento do salário mínimo para o trabalhador da ativa em R$ 112 e para os inativos de R$ 115 para o período (já não tão seguro) de maio-96 a abril-97 levantou uma enorme polêmica, diante do fato de que o custo de vida no período maio-95 a abril-96 cresceu em torno de 20%. O índice da Fipe, que aparentemente é de melhor qualidade, registrou um aumento de 19,5%.
A área econômica do governo, constrangida e limitada em suas opções, cometeu dois equívocos: 1) quando apelou para o IGP-DI para fixar os mínimos, o que mostra que os economistas que assinaram a medida provisória têm pouco respeito por seu conhecimento e pela inteligência dos outros e 2) quando estabeleceu a diferenciação entre pobres na ativa e pobres aposentados.
Na verdade, o que se objetivava? Certamente impedir um aumento do salário mínimo real diante de uma inflação incerta. O salário mínimo de R$ 100 em maio de 1995 equivalia, em poder de compra, a R$ 83,60 em abril de 1996.
O salário mínimo real médio no período foi de R$ 91,80. Como impedir um aumento do salário mínimo real médio no período maio/96 a abril/97 se a taxa de inflação prevista para o período está entre 10% e 15%? A tabela abaixo dá o salário mínimo real médio no período:
Os números entre parênteses são as porcentagens de aumento ou queda do salário mínimo real médio correspondente a cada escolha. Vemos que fixando R$ 115 para os aposentados, há uma relativa garantia de que o salário mínimo real médio fique constante.
Para os trabalhadores da ativa haverá, seguramente, uma redução do salário mínimo real médio. A participação dos trabalhadores na renda global deverá diminuir consideravelmente.
O sr. presidente disse esta semana a frase do ano: "O Brasil está cansado de retórica!". É isso que seus auxiliares ainda não aprenderam. Se é preciso cortar o salário real (é isso afinal o que pretendem), por que não dizer com clareza e deixar de "enrolar" com IGP-DI?

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