São Paulo, sábado, 11 de maio de 1996
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Normalidade do placar

WALTER CENEVIVA
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

O resultado da votação no STF (Supremo Tribunal Federal) sobre a reforma da Previdência me recorda a mesma dificuldade encontrada ao longo dos anos, nas três profissões que tenho exercido (jornalista, advogado e professor universitário). Consiste na quase impossibilidade de convencer os leigos em matéria jurídica que o resultado se enquadra rigorosamente na normalidade das decisões colegiadas. E, mais ainda, de que tanto o voto isolado do ministro Marco Aurélio (de cuja liminar discordei, desde o início) quanto os votos da maioria integram a prática da Justiça, como ela existe no mundo.
Há ocasiões em que o destino das pessoas sofre verdadeiro baque, quando decidido, em grau final, por apenas um voto. Sendo 11 os ministros do Supremo, há questões decididas por 6 a 5. Ou seja: ao fim de longo debate, tudo se encerra porque o pêndulo da complicada balança da Justiça pendeu, tímida, mas decididamente, para um dos lados, com base na convicção de um desempatador.
Considere-se, em primeiro lugar, que o sistema, embora possibilitando resultados carregados de dúvida, é o único possível, quando a votação passa pelos órgãos colegiados. A regra insuperável da democracia é a da vitória da maioria, observados certos mecanismos compensadores para eventuais excessos dos detentores do poder.
Na complexidade da vida moderna, porém, há um aspecto que merece maior meditação, resumido numa pergunta: pode uma pessoa, considerada isoladamente e com base em suas próprias e exclusivas convicções, decidir -ainda que com caráter liminar- questões que interessam a toda a coletividade?
O conceito de medida liminar é importante. O juiz pode concedê-la, antes ou depois de justificação pelo requerente, quando verificar que, se não for dada imediatamente, o curso do tempo tornará impossível a reparação do direito ofendido. Assim, quando o magistrado concede a liminar, ele ainda não apreciou o mérito da questão. Apenas levou em conta a possibilidade de que se torne irreparável a lesão sofrida ou ameaçada.
No quadro brevemente desenhado nos parágrafos anteriores, a questão posta em debate se relaciona com a essência da democracia e se resume em outra pergunta: deve ser permitido que um único juiz (ainda que altissimamente qualificado, como o ministro Marco Aurélio) possa decidir, por si mesmo, a paralisação de um debate parlamentar, cujo resultado ainda é incerto? Minha resposta para a pergunta é não. A crise do Estado contemporâneo, a complexidade da sociedade em transformação, a possibilidade aberta pela comunicação instantânea a todos os segmentos da nação estão a sugerir que decisões individuais podem ser permitidas, mas apenas em limites muito estreitos.
A absoluta normalidade dos resultados nas votações nos tribunais, a variação dos "vencedores" e dos "vencidos", conforme as posições que adotam em face de teses diversas, continuarão incompreendidas pela imensa maioria do povo. Todavia, há um aspecto fácil de compreender. O excesso de poder contido nas mãos de uma só pessoa já não parece ajustado ao interesse nacional, nem compatível com os preceitos constantes da Constituição, relacionados com a prática do Estado democrático de direito.

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