São Paulo, domingo, 12 de maio de 1996
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China blefa com guerra comercial

GILSON SCHWARTZ
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Quem está filiado à Organização Mundial do Comércio, como o Brasil, tem de suar a camisa para evitar violações às regras multilaterais. Quem ainda está fora do tabuleiro pode falar uma linguagem mais agressiva sem se preocupar muito. Principalmente se se tratar de um país considerado por muitos como a nova meca do crescimento mundial: a China.
"Se os Estados Unidos impuserem sanções comerciais à China, a China vai responder com contra-sanções olho por olho, dente por dente que envolverão sem dúvida valores muito maiores que as sanções americanas", declarou na última sexta-feira Zhang Yuejiao, diretor-geral do Ministério de Comércio Exterior e Cooperação Econômica, segundo a agência "China News Service".
A lista de importações americanas de produtos chineses que poderiam enfrentar sanções nos EUA foi prometida para o próximo dia 15. Chega a US$ 3 bilhões. É uma resposta à violação sistemática de direitos de propriedade sobre CDs, vídeos e software pelos chineses, apesar do acordo firmado nessa área em 1995.
Para complicar as coisas, os europeus não estão alinhados com os americanos. Há poucos dias, por exemplo, a Airbus francesa conseguiu um contrato bilionário na China (30 aviões por US$ 1,5 bilhão) e para muitas empresas européias nada interessa mais que uma guerra comercial entre chineses e americanos.
Segundo Leon Brittan, da Comissão de Comércio da União Européia, a UE também tem um acordo com a China, mas prefere ajudar os chineses a implementá-lo, em vez de partir para sanções. Ele acaba de assinar acordos econômicos e projetos educacionais voltados para o treinamento dos chineses na área de fiscalização de propriedade intelectual.
O poder de retaliação dos chineses não é desprezível. Um sintoma do risco é o lobby de empresários americanos no Congresso contra a política de pressão e sanções. O déficit comercial dos EUA com a China está atualmente na casa dos US$ 34 bilhões.
Algumas economias regionais, como a da Califórnia, estão recebendo um forte estímulo do comércio com a China. Para os californianos, que estão entre as principais vítimas do desmonte do complexo industrial-militar após a guerra fria, nada seria pior que o começo de uma guerra comercial.
O mais provável, entretanto, é que afinal a guerra não aconteça. Um exemplo de como a pressão americana vai até o último limite, mas não chega a ultrapassá-lo, foi dado na última sexta-feira. Depois de muita polêmica, denúncias e ameaças, os EUA decidiram não impor sanções econômicas em represália à venda de equipamento nuclear pela China ao Paquistão.
A China cresceu "apenas" 10,2% no ano passado, depois de atingir 13,4% em 1994. O desaquecimento foi necessário para derrubar a inflação anual de 21% para 15%. Em 1996, a meta é chegar a 10%.
Não é, portanto, difícil entender por que todo mundo fala mal da China, mas acaba cedendo aos encantos do mercado gigantesco, que continua crescendo mais que o resto do mundo, com uma inflação invejável. Talvez a guerra mais provável na região continue sendo acima de tudo retórica.

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