São Paulo, domingo, 12 de maio de 1996
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Jacques quer uma própria identidade

Canadense se afasta do pai

JOSÉ HENRIQUE MARIANTE; DANILO VALENTINI; MAURO TAGLIAFERRI
DA REPORTAGEM LOCAL

Uma cena no GP de San Marino, no último fim-de-semana, mostra bem como Jacques Villeneuve convive com o sobrenome.
Ao relatar um lance do treino de classificação, fez referência a determinado ponto do circuito. "Não me lembro o nome da curva. É aquela, que fica após a chicane da Tamburello."
Os jornalistas ficaram atônitos. O motivo: a tal curva se chama Villeneuve. É claro que Jacques sabia o nome da curva, homenagem a seu pai, um dos maiores ídolos da F-1 na Itália.
Mais tarde, tentou se explicar, mas não convenceu. "Minha carreira não tem nada a ver com a de meu pai. Corro porque gosto e não por causa dele."
A declaração só não soou mais herética aos ouvidos italianos porque no dia anterior Jacques já havia aprontado outra.
Indagado se sonhava correr com a Ferrari número 27, cuja glória acabou sendo atribuída a seu pai, o canadense disparou: "Só se for um carro vencedor".
Negação
Essa frieza ou determinação poderia ser entendida como a natural tentativa dos filhos de negar os próprios pais.
Mas, mesmo que pudesse trocar de sobrenome, Jacques não conseguiria esconder suas origens.
Os traços, o jeito largado e um completo desinteresse pelas badalações não deixam dúvidas: Jacques é mesmo filho de um dos mais cultuados pilotos da F-1.
O contraste com a maioria dos outros pilotos é tamanho, que, para alguns, Jacques faz tipo.
Pode até ser, mas sua personalidade foi forjada de modo pouco convencional. O piloto admite que teve uma criação diferente.
"Vivíamos de autódromo em autódromo, morando em um trailer. Meus pais detestavam essa coisa de hotel cinco estrelas. Para nós, vindos do Canadá, era algo normal. Para os europeus, parecia mais uma excentricidade."
Essa romântica história, porém, tem seu lado obscuro. Se chegava a ser considerado um irresponsável na pista, fora dela Gilles não tinha conceito melhor.
Gastava dinheiro da mesma forma que ganhava. E, ao morrer, em 1982, deixou mulher e filhos em uma situação apenas regular.
Tanto que o início de carreira de Jacques, na Itália, foi financiado por amigos da família.
Imprudência, Jacques não herdou. Sua carreira e sua imagem são administradas pelo advogado inglês Julian Jakob, o mesmo que cuidava de Ayrton Senna.
Comparações
É justamente esse lado racional que afasta pai e filho. Algo que o público já percebeu nas corridas.
Apesar de ter disputado apenas cinco GPs, o jovem Villeneuve já merece comparações.
Bernie Ecclestone, o poderoso presidente da Foca (associação de construtores), o grande articulador de sua vinda para a F-1, o compara ao francês Alain Prost, tetracampeão da categoria.
"Não tenho dúvidas de que ele será campeão. Mas Jacques me irrita. Só faz o mínimo necessário para vencer, como Prost. Não dá show como seu pai."
Acossado pelo companheiro Damon Hill, Jacques perdeu o traçado e saiu da pista. Na brita, dominou o carro, voltou ao asfalto e, como seu pai faria, jogou o carro em cima do inglês. Manteve a posição e ganhou o público.
Profissão
Velocidade de raciocínio e capacidade motora são atributos transmitidos geneticamente, segundo o professor Paulo Roberto Oto, do Instituto de Biociências da USP (Universidade de São Paulo).
Mas, no caso de Jacques, o fator ambiental parece ter sido suficiente. Como afirma a psicanalista Ana Verônica Mautner, o fascínio da profissão do pai deve ter sido fundamental para Jacques.
"O que desperta o interesse no filho é ver o pai feliz com o que faz."
(JOSÉ HENRIQUE MARIANTE)

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