São Paulo, domingo, 12 de maio de 1996
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Salário vira doença de médico

GILBERTO DIMENSTEIN

Os médicos americanos estão aborrecidos, nostálgicos dos "bons tempos" em que tinham mais prestígio e dinheiro. Acostumados a ver salários crescentes, eles constatam, agora, uma inversão; na média, ganham menos US$ 500 por mês.
Mas o que é motivo de irritação para eles seria um paraíso para seus colegas brasileiros. Apesar da queda, segundo estatística da Associação Médica Americana, aqui, eles embolsam uma média anual de US$ 150 mil, polpudos US$ 12,5 mil mensais.
Juntei esses dados motivado por uma assustadora pesquisa, ainda parcial, divulgada na semana passada pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), sobre o pessimismo entre os médicos brasileiros.
Assustadora pelo menos para minha geração, para quem a medicina era apresentada como a mais nobre das profissões. Por salvar vidas, os médicos encostavam no dedo de Deus, tinham um aspecto religioso. Na minha visão de criança, eram uma espécie de sacerdotes com estetoscópio, tão importantes quanto os rabinos.
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O levantamento da Fiocruz indica que 47% dos médicos, depois de ralar quase uma década de estudo (faculdade mais residência), dividem-se entre três e quatro empregos. Alguns, segundo a pesquisa, têm cinco. Daí, 79,6% dizem que a profissão é desgastante.
Há mais -e ainda pior. Um médico brasileiro embolsa, em média, US$ 1.300 mensais. Portanto, ganha US$ 400 em cada atividade -quase os US$ 500 que o médico americano perdeu do seu rendimento mensal e que o deixa tão irritado.
Conta final: nosso doutor vale dez vezes menos do que um médico americano.
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O desgaste do médico dá a exata medida da degringolada social do país; a maioria deles atua no setor público.
Provoca, ao mesmo tempo, uma pergunta entre os pacientes: se eles têm tantos empregos e ganham tão mal, quando arrumam tempo para estudar e reciclar seus conhecimentos?
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Para comparar, o rendimento médio dos músicos de rua, em Nova York, é US$ 1.600 mensais.
Os US$ 400 por atividade de um médico brasileiro qualquer mendigo de meio período fatura no Primeiro Mundo.
Um motorista de táxi esforçado leva até US$ 3 mil por mês para casa.
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Os advogados americanos também reclamam. Acabaram os bons tempos, e seus salários estagnaram. Um iniciante ganha US$ 4.500 em média por mês.
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Tenho insistido que, apesar de todas as dificuldades, erros, omissões, incompetências, o Brasil está melhorando. É raro, em nossa história, a combinação de inflação baixa, democracia, crescimento e razoável estabilidade política.
Noto, com frequência, uma reação mentalmente indigente a essa postura. Reconhecer avanços é visto como dar as mãos ao oficialismo. Ser crítico, no Brasil, é ver só defeitos.
Os avanços mostram que a democracia funciona porque muita gente, muitas vezes apesar dos homens públicos, está colaborando.
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A Folha traz hoje belos exemplos de avanço social e, ao mesmo tempo, de extremo descaso e incompetência.
O jornal publica com destaque uma série de experiências mostrando como é fácil e barato salvar vidas. O Brasil tem know-how para reduzir rapidamente a mortalidade infantil.
Se é tão fácil e barato, por que perdemos tanto tempo?
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A pesquisa médica nos EUA não pára de trazer boas novas: segundo todos os levantamentos, os americanos vivem cada vez mais e com menos doenças.
Melhor ainda é que o prazer está se incorporando às receitas de saúde.
O salmão é a melhor carne para o coração. O atum vem em segundo lugar, à distância. É recomendável tomar dois copos de vinho nas refeições.
Música, férias, relaxamento, massagem, caminhadas também fazem parte do cardápio.
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De Harvard, uma das melhores escolas de medicina do mundo, vem outra boa notícia. Estudo divulgado pela Associação Médica Americana diz que atividade sexual não afeta o coração.
A maioria das vítimas de infarto revela temor de que o sexo possa levá-los para a cama -de um hospital.
Imagine o impacto dessa notícia aqui nos EUA, onde existem 12 milhões de pessoas com problemas no coração. São 500 mil sobreviventes de ataques cardíacos.
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Contribuição do Brasil ao marketing americano. Ganhou as páginas do "The New York Times" oferta do restaurante brasileiro Rodízio, em Nova York. No Dia das Mães, quem comer lá terá direito a aulas de samba.
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"Guerrilheiros urbanos" é como alguns dos donos dos milhões de cachorros nova-iorquinos estão se auto-intitulando. Inconformados com as multas por soltar seus adorados animais da coleira, eles ganharam espaço na mídia. A discussão pró e contra coleira saiu da página de artigos do "The New York Times", ganhou uma página inteira na seção de cartas e chegou aos editoriais.
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Os cachorros dos bairros mais refinados de Nova York custam por mês US$ 350 -por pouco, não é igual ao valor de um emprego de médico brasileiro.

E-mail GDimen@aol.com
Fax (001-212) 873-1045

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