São Paulo, terça-feira, 14 de maio de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Os dilemas do real

CELSO PINTO

Os dois dilemas centrais do Plano Real estiveram no miolo do debate ontem, no Rio, no Fórum Nacional, um painel de discussões sobre o país que sobrevive, com consistência, desde 1980: o ajuste fiscal e os riscos de um desequilíbrio externo.
A questão fiscal ficou nas mãos de Raul Velloso, um dos mais competentes analistas do orçamento público. O raciocínio de Velloso é a base da análise da equipe econômica na área fiscal. Vale a pena, portanto, ver as razões para seu otimismo.
A principal é que as contas deixadas pela Constituição de 88 em termos de aumento de gastos públicos finalmente se completaram neste ano. Seu impacto foi enorme.
Gastos com pessoal subiram 53% em termos reais, acima da inflação, desde 87, com a mudança do regime jurídico dos funcionários públicos. Foram 400 mil funcionários que eram regidos pela CLT e que passaram a gozar dos benefícios do regime jurídico único.
Outra herança da Constituição de 88 foi a incorporação de 5 milhões de trabalhadores rurais no universo dos beneficiados. Essa e outras vantagens, fizeram as despesas do INSS subir 88% em termos reais desde 87.
Ao todo, 78% dos gastos orçamentários não-financeiros no ano passado foram afetados pelo impacto do aumento do salário mínimo e do funcionalismo. Como o impacto dos aumentos se deu ao longo do ano, deixaram uma herança de aumento de 16% nos gastos com pessoal para este ano (mesmo sem um centavo de aumento do funcionalismo) e de 14% nos benefícios da Previdência (mesmo com o salário mínimo congelado).
Como o salário mínimo já subiu e o funcionalismo deverá ganhar alguma coisa, a expansão será maior que isso. Mas a herança para o próximo ano será menor, algo entre 5 e 6%.
São esses ganhos que sustentam a projeção do governo de reduzir o déficit operacional (descontada a inflação) de 5% do PIB no ano passado, para 3% ou menos neste ano. Mas, e o futuro?
Velloso diz que, desde que as despesas-chave, como pessoal e Previdência, não cresçam mais do que o aumento da arrecadação, é possível controlar o orçamento e gerar um superávit primário (sem contar os juros) crescente. Daí o relativo otimismo fiscal.
Tudo bem em relação às contas deste ano. O problema é que não é realista supor que o governo conseguirá repetir a dose de segurar o reajuste do funcionalismo dois anos seguidos, ou do salário mínimo. Como o peso destes itens é enorme e mesmo com as reformas não há um horizonte de resolver estes gastos de forma permanente, pelo corte de gastos, ficam dúvidas sobre o futuro.
A outra questão-chave é a da consistência das contas externas. Affonso Celso Pastore, ex-presidente do Banco Central, fez uma competente descrição dos dilemas do real. Quando a economia cresceu aceleradamente, depois do Real, as importações mensais passaram de US$ 2 bilhões a 2,5 bilhões para US$ 5 bilhões -numa trajetória insustentável. As exportações variaram pouco.
Para evitar o desastre, o governo deu uma forte freada no crescimento, usando a política monetária (juros altos). Só que os juros altos atraem dólares, que expandem a moeda, obrigando a emissão de títulos públicos para enxugar o excesso. E a emissão de títulos acaba agravando a política fiscal -que deveria, desde o início, ter sido o instrumento de ajuste para dar consistência ao real.
Daí a contradição: o governo teria que gerar um superávit fiscal mais rapidamente do que vem fazendo até agora, só que a política monetária apertada acaba dificultando esse esforço ao exigir emissão de dívida pública e ao elevar as despesas com juros. A conclusão de Pastore é que, em algum momento, a taxa de câmbio terá que ser acertada.
José Roberto Mendonça de Barros, secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, concordou com o dilema indicado por Pastore, mas imagina outro desfecho: a saída externa pelo aumento das exportações.
Como? Basicamente, porque ele acha que os ganhos de produtividade embutidos na reestruturação da economia, baixa inflação e aumento na escala de produção, são maiores do que se imagina.
Além disso, acha que será possível cortar alguns custos básicos de produção (o "custo Brasil"), ainda que admita que "a maioria ainda está por fazer".
É uma aposta que só o futuro dirá se está correta.

Texto Anterior: Militar nega constrangimento
Próximo Texto: Entidades temem falta de apoio ao programa
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.