São Paulo, terça-feira, 14 de maio de 1996
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O mínimo

ANDRÉ LARA RESENDE

O salário mínimo foi reajustado de acordo com o menor dos índices de inflação dos últimos 12 meses. R$ 112 por mês não é exatamente um salário decente. Não é possível viver com o essencial dentro de tal orçamento. Ninguém discute. Por que então não elevar o salário mínimo até um nível capaz de garantir as necessidades básicas de uma família padrão?
Há um ano Fernando Henrique se irritou quando um repórter lhe perguntou o que faria se tivesse que viver com um salário mínimo.
Agora o reajuste modesto contribui para o crescente sentimento de que, traindo suas origens social-democratas, o governo é insensível às chamadas questões sociais.
Betinho abandonou o Comunidade Solidária e disparou uma saraivada de críticas ao que considera falta de empenho do governo em relação às iniciativas para aliviar a miséria.
O governo está fazendo o possível? A questão é mais complexa. Restrinjamo-nos ao salário mínimo. A famosa lei da oferta e da procura ensina que se o preço sobe, a procura cai. O salário mínimo é o preço da mão-de-obra sem qualificação. Portanto, quando se aumenta o mínimo, cai o número de empregos oferecidos para trabalhadores sem qualificação. Resultado: os que conseguem ficar empregados têm uma melhora à custa dos que perdem ou deixam de conseguir emprego.
É justo? Por muito tempo a resposta dos economistas foi inequívoca: o aumento do mínimo prejudica os menos qualificados e é socialmente regressivo.
Mas tudo em teoria econômica é mais complexo do que gostaríamos. Até mesmo a sempre citada lei da oferta e da procura tem tantas exceções que de lei mesmo não tem nada.
Um estudo recente, de dois professores da Universidade de Princeton, nos Estados Unidos, concluiu que quando o Estado de New Jersey aumentou o salário mínimo em 19% em 1992 o emprego no Estado aumentou em relação ao do Estado vizinho da Pennsylvania, onde o mínimo ficou inalterado.
Como não poderia deixar de ser, outros estudos argumentaram que os professores de Princeton estavam errados e os acusaram simplesmente de má econometria.
O fato é que para justificar que o aumento do salário mínimo não reduz a oferta de emprego para os menos qualificados é preciso fazer apelo a exceções e, sem dúvida, torturar a teoria.
Apesar disso, quando, no ano de eleições presidenciais, o governo Clinton propõe um aumento de 25% no salário mínimo, 85% dos americanos o apóiam. Embora uma minoria, inúmeros economistas, incluindo três prêmios Nobel, se manifestaram a favor da medida.
Vamos e venhamos, se nos Estados Unidos adotar uma posição contrária ao aumento do salário mínimo deixa constrangido todo o Partido Republicano, a tarefa para um governo social-democrata no Brasil é mesmo inglória. Mas a verdade é que temos muito mais razões do que os americanos para resistir à tentação demagógica e não aumentar de forma significativa o salário mínimo.
Aqui o mínimo é usado como indexador para um grande número de salários mais altos, é referência para a Previdência e vale também para o funcionalismo. O impacto sobre as contas públicas neste momento delicado seria grave. Sob risco de reforçar o estereótipo do economista socialmente insensível, estou convencido de que o governo tomou a decisão dura, mas correta.

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