São Paulo, quarta-feira, 15 de maio de 1996
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Soros, Keynes e o mercado

ANTONIO DELFIM NETTO

Li com o maior interesse a entrevista dada à revista "Veja" por George Soros, o "especulador-filósofo, financeiro e filantrópico".
Suas observações extremamente pertinentes sobre o funcionamento do mercado foram feitas por alguém que o conhece e o manipula.
Ao contrário dos "nouveaux économistes" (alguns dos quais, aliás, são magníficos "especuladores-filósofos"), ele acredita que "a prosperidade do mundo de hoje se assenta sobre premissas falsas e é, portanto, muito precária".
E acrescenta: "A falsidade a meu ver é a idéia, que impera no mundo, de que os mercados são perfeitos e, portanto, tendem ao equilíbrio. Estou convencido de que os mercados são imperfeitos e de que no futuro podem nos conduzir a um formidável colapso na economia do planeta. Nós vivemos constantemente no que chamo de desequilíbrio dinâmico. Ninguém quer reconhecer isso agora porque estamos nadando em prosperidade".
A percepção da verdade dessa proposição está tão arraigada em mim que concordo com ela quase intuitivamente.
Intrigou-me, entretanto, quais seriam as origens desse perverso pensamento que dificulta meu acerto de contas com a extravagante "modernidade" que a moderna teoria econômica hegemônica nos impõe.
Dando um pouco de trabalho à velha memória, encontrei a fonte.
Keynes, depondo no famoso "Committee on Finance and Industry", em 21 de fevereiro de 1930, diz que "os economistas gastam a maior parte do seu tempo descrevendo e discutindo o que acontece nas posições de equilíbrio e sempre garantem que qualquer posição de desequilíbrio é transitória. Eu desejo estudar o que acontece durante o período de desequilíbrio, aqueles que duram o tempo suficiente para serem observados".
E ao longo de todo o depoimento ele insiste sobre os problemas de se considerar o "mercado" como perfeito.
Keynes fez a sua fortuna e a fortuna dos King's College especulando. Por isso, como Soros tinha um conhecimento profundo da psicologia dos mercados.
Soros sabe e Keynes soube que o "mito" da sua racionalidade é um perigo crescente.
A liberação descuidada dos mercados, submissão do processo produtivo aos interesses da especulação financeira, a acumulação de lucro pela simples arbitragem dissolvem os valores da sociedade porque no mercado financeiro não há "mão invisível" que compatibilize o bem individual com o bem coletivo.
Keynes fazia restrição ao utilitarismo porque para ele "a teoria econômica é essencialmente uma ciência moral e não uma ciência natural".
Não existe nenhuma correspondência entre o valor dos papéis diariamente transacionados e a realidade produtiva.
É certo que esse mercado foi criado para facilitar a produção, mas é mais certo ainda que ele hoje é um Frankenstein pronto para queimar os seus criadores numa grande fogueira de papel. E Soros já sabe...

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