São Paulo, sexta-feira, 17 de maio de 1996
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Uma questão de âncoras

CELSO PINTO

O diretor do Banco Central Francisco Lopes fez duas colocações na sua intervenção no Fórum Nacional, nesta semana, que merecem maior análise. Como o próprio Lopes abriu suas palavras lembrando que diretores do BC devem, em princípio, ouvir e não falar, é bom prestar atenção quando um deles resolve falar.
Lopes admitiu de forma clara a ligação entre a política monetária e a cambial (que parece óbvia, mas não em Brasília). "A ancoragem monetária é importante na defesa da âncora cambial", definiu.
Isso implica dizer que os juros altos não são apenas fruto da pressão fiscal, como querem outras autoridades. Servem para dar consistência à política de segurar o câmbio, vital para preservar a estabilidade. Os juros ajudam o câmbio tanto ao desaquecer a economia, evitando que um desequilíbrio na balança comercial gere uma crise nas contas externas, quanto atraindo capitais externos.
Lopes defendeu com ênfase, também, a idéia de que o Plano Real está apoiado tanto na âncora cambial quanto na monetária. E vai controlar a moeda a todo custo: os meios de pagamento estão crescendo a 30% ao ano e o BC irá derrubar essa taxa para 17%.
As observações são importantes porque indicam que a disposição do BC de baixar as taxas de juros está condicionada tanto à expansão monetária quanto à manutenção da âncora cambial. Como fazer isso, contudo, quando se tenta, ao mesmo tempo, controlar os juros e a taxa de câmbio?
O ex-presidente do BC Affonso Celso Pastore tinha feito observações críticas em relação a esse ponto, pouco antes de Lopes falar. Não houve debate no fórum, mas é interessante ouvir o que Pastore teria dito.
Pastore é o primeiro a reconhecer a importância da âncora cambial (isto é, de segurar o câmbio) para garantir a estabilização. Só que, se é preciso manter os juros altos para segurar a economia, na falta de uma política fiscal rígida, isso atrai uma enxurrada de dólares.
Se o BC não se importa com a taxa de câmbio, a entrada de dólares vai provocar uma valorização do real frente ao dólar até um ponto em que desestimula esse ingresso. Foi o que aconteceu nos primeiros meses do real, quando todo o dólar que entrava era comprado pelo mercado, não pelo BC.
Desde a crise cambial de março do ano passado, contudo, o BC mudou a postura. Passou a forçar alguma desvalorização do real frente ao dólar, a despeito da forte entrada de dólares, que engordaram as reservas. Como? Comprando os dólares no mercado, o que gera expansão monetária. E tentando, em seguida, enxugar essa expansão monetária vendendo títulos da dívida pública.
Tentar, ao mesmo tempo, controlar o câmbio e os juros, portanto, acaba gerando uma inconsistência. Se quer controlar o câmbio e manter juros altos, ou o BC deixa a moeda crescer, gerando pressão inflacionária, ou enxuga a moeda emitindo dívida. Nesse caso, contudo, gera pressão fiscal.
Lopes sabe disso e chegou a mencionar que é desejo da equipe "deixar o mercado flutuar, testar um câmbio com uma banda mais ampla". Só que ele mesmo ressalvou que isso só deverá acontecer no Brasil "de nossos filhos".
No meio tempo, como sustentar, ao mesmo tempo, a âncora cambial e a monetária? Controlar o ingresso de capitais é inútil, lembra Pastore.
A política acaba tendo três custos: o fiscal, pelo aumento da dívida pública; o de levar o setor privado à bancarrota; e o de manter o câmbio supervalorizado, levando a uma queda na atividade.
A conclusão, diz Pastore, é que o governo vai conter a atividade o necessário para manter a âncora cambial. A única alternativa seria ter uma política fiscal severa o suficiente para permitir não só um ajuste no câmbio, mas também nos juros.
Como esse cenário fiscal não está no horizonte, a inconsistência atual fica mais complicada. O governo tem algum tempo, mas é preciso que as pessoas acreditem que a direção da economia é correta.

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