São Paulo, sexta-feira, 17 de maio de 1996
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'Poderosa Afrodite' é a tragédia do amor

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DE CINEMA

Woody Allen parece, enfim, ter superado sua "síndrome de Bergman". A cada filme, ele está mais distante da fase em que transpunha para Nova York dramas existenciais (matrimoniais, em particular) à moda do diretor sueco.
Agora, em "Poderosa Afrodite", Woody Allen está próximo mesmo é da antiguidade grega. Os elementos são interessantes. Existe um cronista esportivo, Lenny (Allen) cuja mulher, Amanda, que trabalha em uma galeria de arte, decide adotar um bebê.
À medida que os anos passam, o casamento entra em crise. Enquanto isso, o filho cresce, e Lenny adquire a idéia fixa de encontrar a verdadeira mãe do menino. Ela vem a ser a vistosa prostituta Linda Ash (Mira Sorvino).
O encontro entre Lenny e Linda equivale a uma traição, e Woody Allen trabalha muito bem esse dado, jogando-o em paralelo com o interesse que Amanda passa a ter por outro homem.
Cria-se um duplo núcleo dramático. Existe a hipótese de uma relação amorosa entre Lenny e Linda. Ao mesmo tempo, há a expectativa de Lenny: salvar a garota da prostituição e arranjar-lhe um marido.
Estamos diante de um assunto familiar ao diretor/roteirista. Mais até do que o protagonista, ele é um especialista em matéria de filhos adotivos. Sua fantasia em torno do filho duplica-se pela descrição da crise conjugal. E aí chegamos à Grécia, pelo seguinte viés: o amor é uma tragédia, em que o destino nos conduz, em que a catástrofe é tão previsível quanto inevitável.
Para dizer isso com mais clareza, Allen introduziu um coro grego, comentando a ação. É, de longe, o ponto fraco. Como se, à falta de Bergman, Woody precisasse dar um lustro cultural ao trabalho. Dá um lustro, não um lastro.
Tudo que o filme tem de forte vem da ação, do humor tragicômico, da presença de Sorvino, da caracterização dos protagonistas.
Tudo o que vem de fraco está no arbitrário da intervenção do coro. O filme poderia passar sem essa sombra de pedantismo, sem essa rejeição da tradição americana, que no entanto é o forte de Allen.
Sorvino é um capítulo à parte, num filme de bons intérpretes. É espantosa: parece uma atriz de John Cassavetes, tal a realidade física que confere a seu personagem.
Sorvino é tão boa que às vezes desequilibra o filme, com sua presença, e quase chega a justificar o Oscar, que esnobou o conjunto do filme, mas lhe deu o prêmio de melhor coadjuvante.

Filme: Poderosa Afrodite
Produção: EUA, 1995, 95 min.
Com: Woody Allen, Mira Sorvino
Onde:cines Bristol, Morumbi, Lumière

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